Torne-se perito

O realizador que a caça às bruxas destruiu

O cineasta americano que fez Rififi ("o melhor film noir que já se fez" segundo Truffaut)
e Nunca ao Domingo morreu em Atenas aos 96 anos. Por Jorge Mourinha

a Realizou aquele que François Truffaut considerava "o melhor film noir que já se fez". Foi assistente de Alfred Hitchcock e actor e encenador de teatro e dirigiu Bette Davis na Broadway. O seu nome é indissociável de alguns dos títulos centrais do período áureo do "filme negro" - os policiais duros e existencialistas do pós-II Guerra Mundial -, bem como da actriz (e, mais tarde, Ministra da Cultura) grega Melina Mercouri, sua segunda esposa e actriz em sete dos seus filmes a partir de 1960. Mas, para a maior parte das pessoas, o nome do cineasta americano Jules Dassin dirá pouco ou quase nada. (A não ser que digamos que era o pai do já falecido cantor popular Joe Dassin, o de Champs-Elysées e Si Tu n"éxistais pas, filho do seu primeiro casamento com Béatrice Launer.) Há quase 30 anos que Jules Dassin não filmava (o último dos seus 23 filmes data de 1980), e muitos consideram que, após Topkapi, de 1964, mais valia ter ficado quieto. 
A sua morte, na passada segunda-feira, num hospital de Atenas, aos 96 anos de idade, recorda uma das carreiras de Hollywood que a "caça às bruxas" lançada pelo senador Joseph McCarthy entre 1947 e 1956 travou. Período negro durante o qual Dassin, ironicamente, assinou os cinco filmes que fizeram o seu nome e a sua reputação: Brutalidade (1947), Nos Bastidores de Nova Iorque (1948), O Mercado dos Ladrões (1949), Foragidos da Noite (1950) e Rififi (1955).
Antes, apesar de experiência nos palcos nova-iorquinos, de estudos teatrais na Europa, do trabalho com Hitchcock e de uma curta notada (The Tell-Tale Heart) houvera sete filmes anónimos para a MGM. Foi só liberto das restrições do estúdio de Louis B. Mayer que Dassin deu que falar, com uma série de filmes que inseriam as preocupações neo-realistas do cinema europeu no cinema de género americano. 
O mais influente foi Nos Bastidores de Nova Iorque, policial rodado inteiramente em exteriores que acompanhava o quotidiano dos detectives da polícia de Nova Iorque. A frase "Há oito milhões de histórias na cidade nua; esta foi uma delas" viria a ser retomada na série televisiva Cidade Nua, inspirada pelo filme (que venceu o Óscar de melhor argumento). Mas esse realismo sujo estava igualmente presente em Brutalidade, drama prisional cuja violência era rara para a altura, e O Mercado dos Ladrões, baseado no romance de A. I. Bezzerides sobre a corrupção em São Francisco. 
 No entanto, foi nesse seu momento de glória que Dassin foi apontado como comunista pelo Comité de Actividades Anti-Americanas, fechando-lhe quaisquer possibilidades de trabalho em Hollywood. Em conluio com Darryl F. Zanuck, director da Twentieth Century Fox, Dassin foi rodar a Londres Foragidos da Noite - gémeo londrino de Nos Bastidores de Nova Iorque - e organizou as filmagens de modo ao estúdio não o poder despedir antes de as completar, partindo em seguida para o exílio em França, onde viveu com grandes dificuldades durante os cinco anos que se seguiram. 
Foi nesse contexto que a proposta para dirigir a adaptação de um romance policial de Auguste le Breton foi irrecusável - e o resultado, Rififi, foi prémio de melhor realização em Cannes 1955 e um enorme sucesso comercial e crítico por todo o mundo, em grande parte graças a um assalto de 35 minutos sem diálogos. (Foi de Rififi que Truffaut disse ser o melhor noir que já vira.) Depois de ter assinado um dos mais influentes dos filmes negros americanos, Dassin assinava uma das matrizes do seu equivalente francês, conhecido por polar, que Jean-Pierre Melville elevaria a arte.
No entanto, Rififi foi também uma espécie de "canto do cisne" do realizador. Apesar de ter feito as pazes com os EUA - o seu melhor filme posterior, Topkapi (1964), segundo um best-seller de Eric Ambler, era essencialmente um sucedâneo de Rififi com produção americana -, continuou a viver e a filmar na Europa, instalando-se na Grécia com Melina Mercouri, que se tornaria sua musa (e, para não poucos observadores, um verdadeiro albatroz para a sua carreira). Em Nunca ao Domingo (1960), Dassin dirigiu-se a si próprio e a Mercouri numa história inspirada pelo Pigmalião de George Bernard Shaw sobre um homem que procura reabilitar uma prostituta: nomeações para os Oscares para ambos (para ele como realizador e argumentista), grandes reservas por parte da crítica. Daí para a frente, não houve praticamente filme seu - entre os quais uma adaptação da Fedra de Eurípides (1962) e uma outra de Marguerite Duras, 10.30 PM Summer (1966) - em que a esposa não entrasse e que não fosse arrasado pela crítica. 
Dassin retirar-se-ia do cinema em 1980 após o fracasso de Circle of Two, com Richard Burton e Tatum O"Neal, dedicando-se a apoiar a esposa, nomeada Ministra da Cultura em 1981, na sua campanha para o regresso dos mármores do Parténon a Atenas. 

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