Regra dos jogadores formados localmente sem resultados à vista na Liga portuguesa

Legislação não agrada a "gregos", nem a "troianos". Há quem questione a legalidade da medida e há também quem duvide da sua eficácia para incentivar a formação de jovens jogadores

UEFACada clube deve obrigatoriamente ter na lista dos 25 futebolistas inscritos nas competições europeias seis jogadores formados localmente, dos quais, pelo menos, três têm de ser formados no clube.

FederaçãoCada clube tem de incluir na ficha de cada jogo seis jogadores formados localmente (competições profissionais). Nas 2.ª e 3.ª divisões, o número sobe para dez jogadores e nas competições de âmbito regional e distrital é de 12.

LigaCada clube tem de integrar, no plantel, seis jogadores formados localmente.
a São poucos os que elogiam uma medida cuja legalidade, e também eficácia, é questionada por juristas, sindicatos de jogadores e até por responsáveis das ligas europeias. Apesar de ser ainda cedo para um balanço final, as primeiras conclusões sobre a regra dos futebolistas formados localmente são críticas.
Esta é a primeira época em que os clubes são obrigados, em Portugal e noutros países da Europa, a incluir nos plantéis um número mínimo de jogadores formados localmente. Mas, afinal, o que são jogadores formados localmente? São futebolistas que, independentemente da nacionalidade, tenham estado inscritos na federação do país em que decorre o campeonato durante três épocas entre os 15 e os 21 anos. Um exemplo: Ricardo Quaresma, apesar de ter sido formado nas escolas do Sporting, conta como jogador formado localmente para o FC Porto. E contaria para qualquer outro clube português.
A regra dos formados localmente foi a solução encontrada pela UEFA para contornar o impedimento de limitar o número de estrangeiros. Mas esta regra poderá ser considerada ilegal, aponta João Leal Amado, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. "Se houvesse um litígio, muito possivelmente o Tribunal de Justiça Europeu consideraria esta figura indirectamente discriminatória."
Este é, aliás, o pensamento dos responsáveis de algumas Ligas europeias, como a inglesa e a escocesa, que não a aplicaram, revelou ao PÚBLICO Emanuel Medeiros, director executivo da Associação das Ligas Europeias de Futebol (EPFL). "As que se opõem dizem que a medida está ferida de ilegalidade e é ineficaz. Basta ver o caso do Arsenal, que tem um único inglês, Theo Walcott, mas que consegue facilmente cumprir a regra [nas competições europeias], porque contratou jovens estrangeiros muito cedo", refere Emanuel Medeiros, sublinhando que a EPFL não tem "uma posição dogmática". "Pessoalmente", diz o responsável, "concordo que a prática demonstra que a eficácia da medida fica pelo caminho."

Fácil de cumprirNo principal campeonato português, as equipas cumprem facilmente a regra. "Grande parte dos clubes/SAD ultrapassaram, até de forma significativa, o limite mínimo de seis jogadores formados localmente", refere Andreia Couto, directora executiva da Liga, em resposta enviada por e-mail. Ao contrário da regra da federação, em que o número mínimo de formados localmente tem de ser cumprido na lista para cada encontro, a legislação da Liga só obriga à inclusão destes futebolistas no plantel.
Esta discrepância é, desde logo, uma das críticas de Joaquim Evangelista. "Somos um país com uma situação caricata, em que há uma dualidade de critérios da Liga e da federação na interpretação desta regra e de outras, como dos futebolistas desempregados", queixa-se o presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais, dizendo que "a interpretação da Liga reduz o alcance da medida". Andreia Couto afirma que esta regra apenas foi recomendada pela UEFA, cabendo depois às Ligas transpor as normas "com as adaptações entendidas como necessárias para atingir o mesmo objectivo: fomentar a formação local".
Numa altura em que a utilização de jogadores estrangeiros é maioritária na I Liga e em que se assiste a um crescente número de futebolistas de outras nacionalidades nas camadas jovens (ver texto ao lado), a grande questão é saber como travar esta tendência e, ao mesmo tempo, respeitar o direito comunitário. João Leal Amado considera "complicado" travar este movimento com o recurso a leis, porque "o excesso de estrangeiros, apesar de ser uma preocupação legítima, corresponde precisamente ao objectivo da União Europeia, que é a liberdade de circulação".
No que respeita à legislação, João Leal Amado só vê o caminho de limitar os jogadores não comunitários, "embora, por exemplo, o mercado sul-americano seja importante para os clubes e possa não haver interesse em fazê-lo". De resto, só a "auto-regulação permitirá travar este movimento", diz o jurista, numa opinião seguida por Joaquim Evangelista. "É tempo de os dirigentes fazerem o que dizem e apostarem realmente na formação."
Emanuel Medeiros defende também medidas "de incentivo à formação de jogadores", como a "real compensação pela cedência de jogadores às selecções e a adequação de regras contabilísticas à realidade do futebol". "Por exemplo, o Ronaldo antes de assinar contrato profissional com o Sporting valia zero em termos contabilísticos. O jogador pode e deve ser considerado um activo."

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