Torne-se perito

O discípulo que desafiou o mestre

Apesar da maioria dos seus escritos estar perdida, Aristóteles continua
a ser um dos mais influentes pensadores da filosofia ocidental. Aluno
de Platão, defendeu, porém, que é possível conhecer a essência a partir de um fenómeno particular

a A par de Sócrates e Platão, Aristóteles é considerado um dos mais importantes filósofos do pensamento ocidental e um dos primeiros a sistematizar a filosofia e ciência ocidentais. Fascinado pelas ciências físicas, pelas artes e pela sociedade, as suas obras representam uma possível enciclopédia do conhecimento da Grécia antiga.Natural de Estagira (Macedónia), Aristóteles também ficou conhecido como o "Estagirita". Filho de Nicómaco, médico pessoal do rei Amintas II, foi educado como membro da aristocracia. E aos 17 anos, já órfão de pai, foi estudar para a Academia de Platão, em Atenas. Ao longo da sua vida, dedicou-se a várias disciplinas - nomeadamente a física, a metafísica, a poesia, o teatro, a música, a lógica, a retórica, a política, a gestão, a ética, a biologia e a zoologia -, deixando contributos significativos na maioria delas.
É o caso, por exemplo, da lógica. A concepção aristotélica foi a forma dominante de lógica até ao século XIX, sendo apenas ultrapassada pelos avanços da lógica matemática. Aliás, em Crítica da Razão Pura (1781), Immanuel Kant defendeu que a teoria de Aristóteles representava o âmago da inferência dedutiva. Os escritos aristotélicos sobre este assunto foram agrupados pelos Peripatéticos mais antigos sob o nome de Organon, que significa instrumento. Na sua perspectiva, a lógica e a razão eram os instrumentos preparatórios da investigação científica.
Discípulo de Platão, Aristóteles afirmou, um dia, que "o verdadeiro discípulo é aquele que supera o mestre". E em que medida é que o aluno Aristóteles se distanciou do mestre Platão? Apesar de ambos considerarem a filosofia como universal, Aristóteles encontrava o universal nas coisas, enquanto para Platão o universal só existia separado das coisas e apenas se relacionava com elas através de modelos ou cópias. Assim, segundo Aristóteles, o método filosófico implicava uma espécie de ascensão do estudo dos fenómenos particulares ao conhecimento das essências. Já na perspectiva de Platão, o método filosófico partia do conhecimento das ideias universais para a contemplação das imitações dessas ideias.
Apesar de Aristóteles ter escrito diversos tratados e diálogos, cujo estilo literário foi descrito por Cícero como "um rio de ouro", pensa-se que a maioria das suas obras foi perdida, sobrevivendo até hoje apenas um quinto dos textos originais. O filósofo terá compilado grande parte do seu pensamento sobretudo durante o último período em Atenas, quando fundou e ensinou no Liceu. Provavelmente tratados como a Metafísica, Ética a Nicómaco ou Sobre a Alma não se destinavam a ser publicados, tratando-se apenas notas de leitura para os seus alunos.
Mas foi através dessas obras que o pensamento aristotélico teve um profundo impacto na Idade Média, perdurando até ao Renascimento. Além disso, o saber de Aristóteles era de tal forma avançado que, só no século passado, foi possível confirmar a precisão de algumas das suas observações biológicas e, em pleno século XXI, todos os aspectos da sua filosofia continuam a ser alvo de estudos académicos.

384 a.C. - Aristóteles nasce em Estagira, antiga cidade da Macedónia.
367 a.C. - Em Atenas, entra para a Academia de Platão.
356 a.C. - Nasce Alexandre Magno, filho de Filipe da Macedónia.
347 a.C. - Após a morte de Platão, viaja para Assos (actualmente na Turquia), acompanhado por Xenócrates. Torna-se conselheiro de Hermias de Atarneu e, posteriormente, casa com a sua filha (ou sobrinha), Pitia. Funda ainda uma escola científica.
344 a.C. - Muda-se para Mitilene, capital de Lesbos, onde desenvolve investigações botânicas e zoológicas com Teofrasto.
343 a.C. - É nomeado preceptor de Alexandre Magno e instala-se em Pella, capital do reino da Macedónia.
335 a.C. - Regressa a Atenas e funda o Liceu (ou Peripatos). Durante 12 anos, ensina as suas teorias, já distantes dos ensinamentos de Platão. Alexandre Magno sucede ao pai assassinado.
323 a.C. - Perante a morte inesperada de Alexandre Magno e a revolta em Atenas, foge para Calcis, em Eubéia. Teofrasto ocupa o seu lugar à frente do Liceu.
322 a.C. - Morte de Aristóteles.
"Pode dizer-se que cada homem em particular e todos em conjunto têm um fim em vista, tanto no que escolhem fazer como no que evitam. Este fim é, em suma, a felicidade e as suas partes (...). De facto, deve fazer-se o que proporciona a felicidade ou alguma das suas partes, o que a aumenta e não diminui; mas não se deve fazer o que a destrói ou impede, ou produz os seus contrários.
Seja, pois, a felicidade o viver bem combinado com a virtude, ou a auto-suficiência na vida, ou a vida mais agradável com segurança, ou a pujança de bens materiais e dos corpos juntamente com a faculdade de os conservar e usar; pois praticamente todos concordam que a felicidade é uma ou várias destas coisas.
Ora, se tal é a natureza da felicidade, é necessário que as suas partes sejam a nobreza, muitos amigos, bons amigos, a riqueza, bons filhos, muitos filhos, uma boa velhice; também as virtudes do corpo como a saúde, a beleza, o vigor, a estatura, a força para a luta; a reputação, a honra, a boa sorte, e a virtude [ou também as suas partes: a prudência, a coragem, a justiça e a temperança]. Com efeito, uma pessoa seria inteiramente auto-suficiente se possuísse os bens internos e externos, pois fora destes não há outros. Os bens internos são os da alma e os do corpo; os externos são a nobreza, os amigos, o dinheiro e a honra. Cremos, contudo, que a estes se devem acrescentar certas capacidades e boa sorte, pois assim a vida será muito mais segura."

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