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Alice Jorge (1924-2008), renovadora da gravura

a A pintora, gravadora e ceramista Alice Jorge, uma das responsáveis pela renovação da gravura portuguesa, nos anos 50 e 60, morreu no sábado passado, tendo sido ontem sepultada no Cemitério do Alto de S. João, em Lisboa. António Valdemar, vice-presidente da Academia Nacional de Belas Artes - cujo Grande Prémio de Aquisição a artista recebeu em 1997 -, descreveu-a ao PÚBLICO como "uma mulher extraordinária", não apenas pelos seus "altos méritos artísticos e pedagógicos", mas também pela "coerência e dignidade" com que, "antes e depois do 25 de Abril, sempre se envolveu em grandes causas humanas e políticas, e defendeu os valores da liberdade e da democracia".
Nascida em 1924, Alice Jorge frequentou a Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, mas, segundo contou ao público o cineasta e encenador Jorge Silva Melo, não pôde concluir o curso por causa de um professor que chumbava por sistema os alunos que vinham da Escola de Artes Aplicadas António Arroio. Viu-se assim obrigada a prosseguir os seus estudos no Porto, como também aconteceu com Júlio Pomar, com quem foi casada alguns anos. Até 1974, a sua oposição ao regime impediu-a, também, de ensinar em escolas públicas, embora tenha chegado a cursar Pedagogia na Faculdade de Letras de Lisboa.
A artista começou a expor os seus trabalhos em mostras colectivas no início dos anos 50 e, em 1956, tornou-se uma das fundadoras da Cooperativa de Gravadores Portugueses, a Gravura, que ainda hoje existe e que teve um papel determinante no movimento de renovação da gravura em Portugal. Jorge Silva Melo, que está a ultimar um documentário sobre a cooperativa, garante que, até 1968, "foi ela que aguentou aquilo; estava lá de manhã à noite". A par da sua actividade artística, dirigiu cursos de gravura e, já nos anos 80, publicou, com Maria Gabriel, o livro Técnicas da Gravura Artística.
Inicialmente ligada ao neo-realismo, no âmbito do qual desenvolve um trabalho singular, muito centrado na representação da mulher, irá depois tentar vários outros caminhos, incluindo a abstracção. Jorge Silva Melo afirma apreciar especialmente os seus nus femininos da primeira metade dos anos 60. "Na altura", diz, "ver aqueles desenhos foi como ler O Segundo Sexo, da Simone de Beauvoir."
Desde 1960, Alice Jorge foi divulgando os seus trabalhos em diversas exposições individuais, em Lisboa e no Porto, e ainda na Fundação Gulbenkian, que acolheu em 1972 uma retrospectiva da sua obra. Mais recentemente, em 1992, a Bienal de Gravura da Amadora apresentou uma mostra da sua obra gravada.
Uma faceta não menos relevante da sua carreira é a de ilustradora de livros. Aquilino Ribeiro, David Mourão-Ferreira ou Matilde Rosa Araújo são alguns dos autores com quem colaborou. Ilustrou ainda edições portuguesas do Decameron, da Divina Comédia, das Novelas Exemplares de Cervantes, ou das Mil e Uma Noites. E devem-se-lhe as ilustrações das antologias de poetas portugueses organizadas por José Régio no início dos anos 60, que a Artis editou numa colecção graficamente notável.

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