Atletas portugueses só pensam em desporto e deixam a política de lado

Steven Spielberg demitiu-se do cargo de conselheiro dos Jogos, aumentando as pressões políticas sobre a China. Os desportistas portugueses dizem que vão a Pequim para competir. E nada mais

"Nos Jogos, estamos muito absorvidos pela competição e concentrados sóem aspectos desportivos", diz Álvaro Marinho
a A história dos Jogos Olímpicos está recheada de episódios políticos e o facto de a edição deste ano se realizar em Pequim promete muita pressão sobre o regime chinês. Depois de esta semana o realizador Steven Spielberg se ter demitido do cargo de conselheiro artístico e de o Comité Olímpico Britânico ter manifestado a intenção de proibir os atletas de se pronunciarem sobre "assuntos sensíveis" para a China, foi relançado o debate sobre a legitimidade de usar os Jogos Olímpicos para o combate político.
"Os atletas devem afastar a política do desporto. Embora todos tenhamos as nossas opiniões pessoais, devemos deixar essas coisas para os políticos", disse ao PÚBLICO Nuno Fernandes, antigo saltador com vara e presidente da Comissão de Atletas Olímpicos (CAO), alertando que, "muitas vezes, os atletas são usados como instrumento político, para o bem e para o mal". Muitos dos portugueses que estão qualificados para Pequim 2008 estavam incontactáveis, por se encontrarem em estágio, mas Nuno Fernandes diz que este é o "sentimento geral" dos desportistas olímpicos, embora haja algumas opiniões diferentes. É o caso de Susana Feitor, que, a título pessoal, diz que os desportistas "devem ter alguma contenção, mas não podem ficar alheios a questões humanitárias graves".
Nuno Fernandes argumenta, por outro lado, que o Comité Olímpico Internacional (COI) "podia não ter atribuído a organização dos Jogos à China", mas agora "já não há nada a fazer". Uma opinião partilhada por alguns desportistas internacionais, como a canoísta italiana Josefa Idem, que disse à Reuters ter sido contra a escolha "de um país não democrático". "Podia ter sido evitado atribuir a organização à China, mas, agora, que o fizeram, sou contra pressões políticas à custa da pele dos atletas." A tenista belga Justine Hénin já afirmou que vai a Pequim para "jogar ténis e não jogar à política". Uma posição também defendida pelo Presidente norte-americano, George W. Bush, e pela presidência da União Europeia, pela voz do ministro do Desporto da Eslovénia.
Os apelos de várias organizações não-governamentais para que os atletas se associem à luta contra as violações dos direitos humanos e a política chinesa foram atendidos por poucos atletas e praticamente nenhum está hoje no activo.
O britânico Richard Vaughan, jogador de badminton, é uma das excepções e juntou-se ao Team Darfur, um grupo de pressão que luta pela resolução da crise naquela região do Sudão. "Se os atletas têm uma posição forte sobre questões humanitárias, devem ter o direito de comentar, como qualquer outro cidadão", disse à BBC on-line, salientando que esta luta é mais "humanitária" do que propriamente política.
A antiga nadadora olímpica canadiana Nicky Dryden também espera que mais desportistas adiram ao Team Darfur e possam "aproveitar a oportunidade da única vez na vida em que os media estarão focados neles". "As Olimpíadas são baseadas nos valores dos direitos humanos e da dignidade humana, e talvez isso não esteja a acontecer na China, dentro das suas fronteiras, e na interacção com o Governo sudanês."

Restrição "hipócrita"O velejador português Álvaro Marinho também considera que os desportistas "devem, dentro do seu alcance, lutar pelos direitos humanos", mas salienta que as Olimpíadas não são o momento adequado para essa acção. "Nos Jogos, estamos muito absorvidos pela competição e só nos concentramos em aspectos desportivos", diz o velejador, que não conta associar-se a qualquer movimento pelos direitos humanos.
Os desportistas não estão impedidos de falar sobre questões políticas, excepto durante os Jogos. A Carta Olímpica, que define os direitos e os deveres dos atletas, impede-os de "qualquer manifestação política, religiosa ou racial em locais e instalações olímpicas". Esta restrição é considerada "hipócrita" pelo patinador americano Joey Cheek, já que "muito da Carta Olímpica fala sobre alcançar algo mais importante através do desporto".
Posição diferente tem o presidente do Comité Olímpico de Portugal, Vicente Moura, que defende o estrito cumprimento da Carta Olímpica: "Se nos deixarmos envolver, vai acontecer o mesmo de 1980 e 1984. Esta é uma competição sã de jovens de todos os países sem discriminação de sexo, raça ou religião. É um momento de paz e contenção que deve ser preservado. Discordo do aproveitamento político dos Jogos Olímpicos", afirmou à agência Lusa.

Denúncia cabe às ONGA Carta Olímpica - que os portugueses também terão de cumprir, como já disse Vicente Moura, presidente do Comité Olímpico de Portugal - não merece críticas dos atletas portugueses. "Já estaria limitado, porque sou militar [1.º sargento da Força Aérea] e nunca me iria pronunciar sobre questões políticas, mas concordo que haja uma separação entre política e desporto, porque vamos aos Jogos para competir", diz João Costa, que representará Portugal no tiro.
Susana Feitor não discorda desta restrição, que considera um "bom propósito" para evitar conflitos na aldeia olímpica, "onde convivem pessoas de diferentes ideologias, raças e religiões". Mas a atleta de Rio Maior também lembra que "há situações graves que não podem ser esquecidas" e defende que esse "trabalho" de denúncia cabe às "organizações não-governamentais [ONG], que podem relatar ao mundo o que se passa por trás da festa das flores e da fachada".
Antigos desportistas contactados pelo PÚBLICO, como Carlos Lopes e Fernando Mamede, defendem, por sua vez, que Pequim 2008 não seja utilizado para fins políticos. "Sobre os direitos humanos na China, reconheço que não é a melhor forma de estar, mas não julgo que se deva aproveitar o evento para contestar", argumenta Carlos Lopes: "É verdade que somos livres de dizer o que queremos, mas quando estamos nos Jogos é para dar o nosso melhor".

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