Maharishi Mahesh Yogi O guru dos Beatles morreu com missão cumprida

A relação com os Beatles tornou-o um ícone
da década de 1960. Para uns, Maharishi Mahesh
Yogi foi apenas o criador de um império comercial.
Para outros, fonte de iluminação espiritual

a A 16 de Novembro de 2007, David Lynch fixou a bandeira da meditação transcendental num baldio do Estoril. O realizador tinha-se deslocado a Portugal para o European Film Festival e o acto incluiu-se na masterclass que ali apresentou, A Arte, a Vida e a Meditação Transcendental. Não é crível que Maharishi Mahesh Yogi, isolado num dos 200 quartos da mansão onde vivia em Vlodrop, cidade holandesa junto à fronteira com a Alemanha, tenha rejubilado com o alargamento do seu reino espiritual.Dois meses depois, a 11 de Janeiro, o guru, principal responsável pela propagação das técnicas de meditação transcendental no Ocidente, anunciava que o seu trabalho estava completo. Usaria o tempo de vida restante a completar as suas reflexões sobre os Vedas, os mais antigos textos sagrados do hinduísmo. A sua morte, ocorrida terça-feira, foi anunciada ontem. Teria 90 anos - a data correcta do nascimento, atribuída a 12 de Janeiro de 1918, é incerta - e, sim, o seu trabalho, desde sempre envolto em polémica, estava feito.
Foi uma das faces do flirt com a religiosidade oriental na década de 1960, capa da Time em 1975, líder de um império comercial que, à data da sua morte, incluía universidades espalhadas pelo mundo, um canal televisivo, incontáveis centros de meditação, um património avaliado, nos Estados Unidos, em cerca de 204 milhões de euros e até um partido político, o National Law Party, que concorreu às eleições gerais britânicas entre 1992 e 2001.
Da Física para a meditação
Antigo estudante de Física na Universidade de Allahabad, tornou-se discípulo do sábio Swami Brahmanda Saraswati no final de década de 1930. Acompanhou-o até à sua morte, em 1953, retirando-se depois para Uttakarshi, uma localidade no sopé dos Himalaias onde, durante dois anos, terá desenvolvido uma abordagem inovadora às tradicionais práticas hindus de meditação.
Dele, cujas primeiras décadas de vida sempre permaneceram envoltas em mistério - cita-o o site BBC News, "não se espera que os monges falem de si próprios; é a mensagem que é importante, não a pessoa" -, escrevia em 1958 o Honolulu Star Bulletin, reportando uma das suas digressões: "Não tem dinheiro, não pede nada. As suas posses terrenas podem ser transportadas numa mão. Maharishi Mahesh Yogi encontra-se numa odisseia pelo mundo. Transporta uma mensagem que, afirma, libertará o mundo de toda a infelicidade e insatisfação."
Quando, nove anos depois, George Harrison convence Paul McCartney, John Lennon, Ringo Starr e Mick Jagger a deslocarem-se a Bangor, no País de Gales, para acompanhar um dos seus cursos de iniciação, uma mão seria manifestamente pouco para as posses terrenas do Maharishi. Por essa altura, tinha cerca de dez mil discípulos no Reino Unido, que despendiam uma semana de salário para aprender os benefícios da meditação. Com a publicidade granjeada pela ligação aos Beatles e às celebridades que a eles se juntaram - de Mick Jagger a Mia Farrow, passando pelo escritor Kurt Vonnegut e pelo poeta Allen Ginsberg -, esse número cresceria exponencialmente.
O caso Mia Farrow
Conhecido pela barba grisalha, pelos longos cabelos em desalinho e pelos acessos de riso em "cartoonesco" tom agudo, Maharishi Mahesh Yogi tornou-se um símbolo da década de 1960 e da busca por espiritualidade a oriente que lhe foi característica. Hábil gestor de mediatismo, eficaz na adaptação da sua mensagem aos interesses dos que o ouviam, sobreviveu incólume ao conturbado final da relação com os Beatles, causado por uma abordagem a Mia Farrow, demasiado carnal para homem santo com voto de castidade, durante a estadia dos Fab Four, respectivas mulheres e vários amigos, no retiro espiritual de Rishikesh, Índia, em 1968. John Lennon abordaria o episódio, nunca confirmado taxativamente, em Sexy Sadie, umas das canções do White Album: "Sexy Sadie, what have you done? You made a fool of everyone."
Apesar da relativa discrição mediática a que foi remetido a partir da década de 1970, o crescimento da sua "missão" não cessou. Sofisticou-se comercialmente - "os gestores são as pessoas mais criativas do mundo", afirmava - e encenou acontecimentos que, de tempos a tempos, voltaram a colocá-lo nas parangonas dos jornais, como uma nova prática, o "Yogi em levitação", ou a ordem para que, após o início da guerra no Iraque, os discípulos britânicos e americanos desencadeassem uma corrente de vibrações que expulsassem Tony Blair e George W. Bush do poder.
Terça-feira morreu o homem que, através de meditação, dizia ter conseguido diminuir a criminalidade em Washington ou ter contribuído para o fim da guerra fria. Morreu aquele que, saindo da Índia natal com uma mão cheia de posses terrenas, transformou a meditação transcendental numa disciplina com milhões de seguidores em todo o mundo.
Encerrado num quarto desde Janeiro, estudava os Vedas, fundadores de todo o seu pensamento. A sua missão, império comercial para os críticos, fonte de iluminação espiritual para os seguidores, estava cumprida.

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