A magia sonora da Orquestra de Câmara da Europa

Orquestra de Câmara da Europammmm\uFFFC
Douglas Boyd (direcção)
Valery Sokolov (violino)
Obras de Beethoven e Schubert
Lisboa, Grande Auditório Gulbenkian
16 de Janeiro, às 19h
Sala quase cheia
Ouvem-se as primeiras notas e a magia acontece. A sonoridade da Orquestra de Câmara da Europa (OCE) é de uma beleza incomparável, capaz de por si só deixar o ouvinte rendido. Em residência na Gulbenkian desde o dia 12, esta formação já deu dois concertos notáveis e voltará a apresentar-se no Grande Auditório nos dias 20 e 21 (às 19h) na interpretação do Requiem, de Brahms, em conjunto com o Coro Gulbenkian. Cada programa é dirigido por um maestro diferente e a selecção de obras, no seu conjunto, faz um arco temporal que se estende do Barroco tardio ao Romantismo. Degrau a degrau, e tendo em conta as dimensões da formação orquestral adequada a cada obra, ouviram-se algumas das partituras mais famosas de J. S. Bach, Haydn, Mozart, Beethoven e Schubert.
A OCE pode ser uma orquestra democrática na sua estrutura e organização, mas é também uma formação de elite ao incluir entre os seus instrumentistas os melhores entre os melhores. A maior parte deles tem carreiras solísticas e pertence a outros agrupamentos, mas a sintonia e o equilíbrio do conjunto é impressionante. Não há obstáculos técnicos a resolver pelo que todas as energias são canalizadas para a estética da interpretação. Todos os naipes possuem uma sonoridade redonda e aveludada e articulam-se entre si como um mecanismo de relojoaria.
O concerto do dia 13 proporcionou ainda outra revelação: a do jovem maestro Yannick Nézet-Séguin, de apenas 32 anos, que mostrou um domínio técnico exemplar e um carisma contagiante. A sua interpretação privilegiou a dimensão intensa e arrebatada da estética do movimento Sturm und Drang (Tempestade e ímpeto), presente na Sinfonia nº 44, Fúnebre, de Haydn, e na Sinfonia nº 40, de Mozart, sem deixar de lado a elegância da arquitectura, no que diz respeito aos fraseados ou à transparência de planos, essencial ao estilo clássico. Ouviram-se versões quase antológicas destas obras, com vários momentos empolgantes, por exemplo nos andamentos finais.
Embora o uso de instrumentos modernos nos dê uma cor diferente da que Bach idealizou e Nézet-Séguin não tenha adoptado rigorosamente uma abordagem "historicamente informada", a Suíte nº2, BWV 1067, alcançou um meio termo muito convincente que respeita o essencial da natureza do discurso barroco. O maestro foi até notável na forma como geriu a pulsação, o impulso rítmico e o carácter dançante de andamentos como as duas Bourrées, a Polonaise e o Minueto. Alguns excessos dinâmicos na Badinerie acentuaram o lado apoteótico desta página célebre. O flautista Jaime Martin, com uma técnica e energia brilhantes, entrou no jogo e após os entusiásticos aplausos fez questão de a repetir num andamento ainda mais vertiginoso.
O concerto do dia 16 dirigido por Douglas Boyd, que durante muito tempo foi oboísta da própria orquestra. Ainda que não tenha atingido os rasgos de génio de Nézet-Séguin, mostrou também um nível muito alto, que proporcionou uma interpretação muito consistente do Concerto para Violino, de Beethoven, e uma Sinfonia nº 9, de Schubert, de grande densidade emocional e contrastes muito bem caracterizados. A orquestra evidenciou de novo a sua infinita paleta expressiva, com belíssimas prestações nas madeiras e metais de rara maleabilidade sonora. No Concerto de Beethoven, a violinista anteriormente anunciada (Lisa Batiashvili) foi substituída por Valery Sokolov, um jovem talentoso, com generosos recursos técnicos, mas que revelou por vezes um certo exibicionismo fácil em detrimento de uma concepção mais amadurecida da obra. No encore (pertencente à música incidental de Rosamunde, também de Schubert) Boyd conseguiu momentos mágicos através de um controlo dinâmico absoluto, com alguns pianíssimos no limiar do silêncio, e um lirismo de uma nobreza tocante.

Cristina Fernandes

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