Morreu Christian Bourgois, o lendário editor francês que fez de Pessoa e Lobo Antunes uma moda (ou duas)

a Christian Bourgois leu o romance Fado Alexandrino, de António Lobo Antunes, em 1986 e ficou para a vida dele: "Tive um dos maiores choques e uma das maiores emoções da minha vida de leitor. Acho que é um dos melhores livros do mundo." Editou-o imediatamente - como leitor, não como editor. Foi esse instinto que fez dele uma lenda viva do mundo editorial francês até ontem, dia em que morreu vítima de cancro, com 74 anos. Editava o que ele queria ler, mesmo que nisso estivesse sozinho contra o mundo: "Nunca me perguntei o que é que os leitores tinham vontade de ler. Não sei nem me interessa. Não conheço os gostos dos leitores, seria muito arriscado. Conheço os meus." Incluíam Lobo Antunes, de quem era amigo pessoal. Mas também Fernando Pessoa (editou-o tão bem que fez dele uma moda) e Mário de Carvalho.
Natural de Antibes, no Sul de França, Christian Bourgois foi severamente educado por uma família burguesa muito bem na vida (o pai não o deixou candidatar-se à École Normale Supérieure por achar que era um antro de esquerdistas). Foi um aluno brilhante (segundo lugar no quadro de honra do Institut d"Études Politiques, à frente de Jacques Chirac) e imprevisível (abandonou a École Nationale d"Administration, o que nunca tinha acontecido na história da escola, para se dedicar aos livros). Já era um leitor voraz desde a adolescência mas foi em 1959, com 26 anos, que se estreou como editor, na René Julliard. Não demorou muito a fazer-se notar: em 1962, publicou La Guerre d"Algérie, o histórico manifesto anticolonialista de Jules Roy. Chegou a substituir René Julliard depois da morte deste e a fazer uma breve incursão na Grasset, mas em 1966 já tinha a sua própria casa, a Christian Bourgois, que se revelaria crucial na divulgação da beat generation em França.
"Era o editor actual por quem eu tinha mais respeito. Teve um percurso de 50 anos marcado por uma coerência absoluta. No início, interessou-se pela literatura americana, mas o seu catálogo tem tudo o que verdadeiramente interessa na literatura mundial. É o grande editor do Pessoa em França", disse ao PÚBLICO o editor da L" Escampette, Claude Rouquet. "Há nele uma forte ligação às grandes obras, à grande literatura. Enquanto o trabalho da L" Escampette é mais do foro da música de câmara, pode dizer-se que o Christian Bourgois era o grande editor da literatura sinfónica", acrescenta.
Também era o grande editor independente. "Apesar de ultimamente estar ligado às Éditions du Seuil, ele nunca perdeu a independência das suas escolhas. É um dos cinco grandes editores franceses e o seu desaparecimento é uma perda para a literatura mundial", considera Joaquim Vital, da editora La Différence, sublinhando ainda o papel de Bourgois como introdutor da literatura portuguesa e italiana em França.

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