Torne-se perito

Hiroxima nunca lhe tirou uma noite de sono

"O meu trabalho, em resumo, era começar a guerra atómica".
Palavras do oficial que, no dia 6 de Agosto de 1945, pilotou o Enola
Gay com uma bomba a bordo que matou 80 mil pessoas

a Até ao final dos seus dias, Paul Warfield Tibbets Jr. acreditou que lançar a primeira bomba atómica em Hiroxima foi um meio justificável para encurtar a Segunda Guerra Mundial e preservar a vida de centenas de milhar de americanos, que os peritos militares diziam poder vir a morrer numa invasão final dos Aliados do Japão.Para Tibbets, o piloto cuja missão de bombardeamento desencadeou a forte e devastadora explosão e a insidiosa radiação nuclear que arrasou dois terços da cidade e matou pelo menos 80 mil pessoas, nunca houve qualquer necessidade de pedir desculpa. "Nunca perdi uma noite de sono por causa disto", afirmou Tibbets sobre o ataque de 6 de Agosto de 1945.
O oficial da Força Aérea morreu quinta-feira na sua casa em Columbus, Ohio. Tinha 92 anos e, de acordo com o seu amigo de longa data Gerry Newhouse, a sua saúde tinha vindo a piorar nos últimos anos, acabando por morrer devido a uma paragem cardíaca.
Para milhões de detractores, o ataque nuclear de Hiroxima é um exemplo cósmico da desumanidade do homem para com o homem, um acto que deixou o mundo a balançar perante a iminência da auto-destruição. "Fiz um grande erro na minha vida quando enviei uma carta ao presidente (Franklin D.) Roosevelt recomendando que a bomba atómica fosse fabricada" assumiu o físico pioneiro Albert Einstein, um dos primeiros a conceber tal arma.
Meses depois de autorizar o ataque, o Presidente Truman solidarizou-se com Tibbets na Casa Branca em relação às críticas sobre o lançamento da bomba. "Foi a minha decisão", disse-lhe Truman. "(Tibbets) Não tinha escolha".
No sexagésimo aniversário do bombardeamento, Tibbets disse ao jornal Columbus Dispatch que sabia no momento em que se comprometeu que "iria ser uma coisa emocional".
"Tínhamos sentimentos, mas tínhamos de os deixar para segundo plano. Sabíamos que íamos matar pessoas a torto e a direito", declarou Tibbets. "Mas o único interesse que me guiou foi fazer o melhor trabalho que pudesse e que acabássemos a matança o mais rápido possível".
Descrito pelo seu comandante, Gen. Henry H. "Hap" Arnold, como "o melhor dos pilotos" das Forças Armadas, Tibbets foi escolhido para liderar a composição do misterioso grupo 509, a primeira unidade militar formada para prosseguir com a guerra nuclear. Três dias depois do bombardeamento de Hiroxima, outro avião do 509 arrasou Nagasaki com outra bomba nuclear, apressando a rendição japonesa.
Foi Tibbets que escolheu os aviões que voaram naquelas missões, B-29, o maior avião operacional na terra, especialmente configurados, despojados de armamento e de blindados para aligeirar as longas viagens. Foi ele que seleccionou os veteranos de combate para os bombardeiros. Muitos dos homens da tripulação eram amigos pessoais com quem já tinha voado em missões durante a ocupação Nazi na Europa Ocidental e Norte de África. Foi também Tibbets que escolheu uma base aérea isolada nas margens no Nevada-Utah onde os homens do grupo 509 treinaram para a sua missão ultra-secreta. Treinou os seus homens arduamente, dispensando aqueles que se sentiam fracos ou que falavam demasiado sobre aquilo que estavam a fazer.
Orgulhoso, irritável e perfeccionista, Tibbets nunca duvidou que era o homem para aquele trabalho.
A voar ao 12 anos
Nascido a 23 de Fevereiro de 1915 em Quincy, mudou-se para a Florida com os seus pais ainda em criança. O seu pai, um distribuidor de doces, contratou o popular piloto Doug Davis para voar sobre o circuito de Hialeah, para fazer publicidade ao seu negócio. Davis pilotava um avião Waco enquanto Tibbets, que tinha 12 anos, atirava doces à multidão que assistia à demonstração. "Desde esse dia, soube que tinha que voar", disse Tibbets.
O seu pai, um crente na disciplina, enviou o seu filho para a Academia Militar do Oeste em Alton, logo no ano seguinte. Tibbets gostou da vida militar e, apesar dos estudos subsequentes em cuidados médicos nas universidades de Cincinnati e da Florida, alistou-se como cadete em 1937 no corpo da Força Aérea de Ft. Thomas.
No Verão de 1942, nove meses depois do atentado de Pearl Harbor, que empurrou a América para a Segunda Guerra Mundial contra o eixo da Alemanha, Japão e Itália, Tibetts estava a pilotar nos primeiros raids dos bombardeiros americanos para ameaçar a Alemanha na Europa Ocidental. Dois meses mais tarde, liderou os bombardeamentos nas zonas americanas do Norte de África.
No princípio de 1942, Tibetts foi recrutado novamente pelos Estados Unidos para começar a testar o novo super bombardeiro, o B-29. Em poucos meses, tornou-se num dos pilotos do país com mais experiência a pilotar os B-29. Em Setembro de 1944, foi convocado para uma reunião militar secreta no Colorado, onde lhe foi dito que tinha sido seleccionado, entre dezenas de candidatos, para encabeçar a unidade chamada 509º Composite Group.
"O meu trabalho, em resumo, era começar a guerra atómica", escreveu o piloto no seu livro, Flight of the Enola Gay (1989). O piloto procurou o campo de aviação perfeito para treinar os seus homens e soube que o tinha encontrado em Wendover, Utah. "Era remoto, verdadeiramente remoto", escreveu. "À volta do campo havia quilómetros e quilómetros de salinas".
Aos tripulantes que chegavam nada lhes era dito sobre a sua missão, segundo Ruin From the Air, a história do projecto, de 1977, por Gordon thomas e Max Morgan Witts. "Não perguntem o que é o trabalho", disse-lhes Tibbets. "Parem de ser curiosos e não falem da base a ninguém. Sejam as vossas mulheres, namoradas, irmãs, ou família".
As tripulações fizeram centenas de ensaios sobre o deserto de Mojave e do mar de Santon. As bombas testadas foram enormes cópias do longo Little Boy de urânio que cairia em Hiroxima e do Fat Man de plutónio que atingiria Nagasaki. A maior parte das maquetas de tamanho natural foram cheias de betão armado, mas algumas continham componentes nucleares, incluindo largas quantidades de explosivos convencionais em mecanismos disparadores.
No dia 18 de Junho de 1945, Truman aprovou os planos de invasão do Japão. O assalto inicial, de 815.000 soldados, começaria na ilha de Kyushu no dia 1 de Novembro, seguindo-se cinco meses depois, um ataque de 1,2 milhões de soldados na ilha de Honshu. O general Douglas MacArthur disse que podiam levar dez anos até acabar com os últimos pontos de resistência, com o total de mortes americanas a chegar a 1 milhão de homens.
Menos de um mês depois, a primeira bomba atómica foi testada com sucesso em Alamogordo. Truman concluiu que tinha uma alternativa para a invasão, e estava satisfeito, assim como o primeiro-ministro britânico Winston Churchill. "A bomba atómica é a segunda chegada da cólera", afirmou Churchill ao ouvir as notícias.
"O que é que fizemos?"
Acreditando que os japoneses deveriam ter uma última oportunidade para evitar o impressionante poder da bomba, Truman lançou um ultimato: Rendição incondicional ou enfrentar "já e totalmente a destruição". Os japoneses ignoraram o aviso, que não fazia qualquer menção às armas nucleares.
Tibbets tinha sob o seu comando oficiais do mais alto nível, e teve todo o apoio de Washington quando anunciou que iria liderar o avião do grupo 509 que lançaria a primeira bomba. Forçando um descontente capitão Robert A. Lewis a aceitar o papel secundário de co-piloto naquele que tinha sido o seu B-29, Tibbets ainda ordenou que pintassem o nome da sua mãe, Enola Gay, na fuselagem do avião.
Algumas hora antes do amanhecer de 6 de Agosto de 1945, o Enola Gay, carregando com a bomba de 4400 quilos, seguiu para a ilha de Tinian para o voo de 2735 quilómetros em direcção a Hiroxima. Dois outros B-29 acompanharam-no, para controlar o acontecimento. 17 segundos depois das 8h15, de uma altitude de 8 quilómetros, o bombardeiro major Thomas Ferebee largou a bomba. Tibbets, que levava alguns comprimidos com veneno para a tripulação, caso o B-29 caísse, pôs o avião num ângulo agudo, virando-o com velocidade para se afastar da explosão iminente.
Às 8h16, a 576 metros do centro de Hiroxima, a bomba detonou com uma temperatura estimada de 50 milhões de graus centígrados. "Meu deus, o que é que fizemos?" escreveu Lewis no bloco de notas. O sargento da tripulação, Robert Caron, descreveu a vista do seu banco na cauda como a "visão do inferno". Tibbets olhou para trás para ver a enorme nuvem atómica em forma de cogumelo.
O voo de volta para Tinian foi tranquilo, e Tibbets saiu do avião para ser distinguido com a Cruz dos Serviços prestados. A carreira militar de Tibbets continuou por mais 20 anos. Apesar de grande parte dos trabalhos serem mais de secretária, o seu passado por vezes atormentava-o.
Em 1965, com 50 anos, era brigadeiro general das Forças Armadas quando foi nomeado para director de uma Missão dos Estados Unidos de abastecimento na Índia. Quando os meios de comunicação indianos o apelidaram como "o maior assassino do mundo", o Departamento Estatal, embaraçado, retirou-o e abortou a missão.
Um ano depois, Tibbets retirou-se do meio militar. Durante três anos, trabalhou como assessor de aviação na Europa, depois voltou aos Estados Unidos onde trabalhou na Executive Jet Aviation, um serviço aéreo de táxi em Columbus. Finalmente, desempenhou também as funções de direcção na empresa.
Em 1976, Tibbets pilotou um B-29 recuperado e lançou uma simulação de uma miniatura de uma bomba atómica num espectáculo aéreo no Texas. O acto, que terminou com uma nuvem de fumo em forma de cogumelo, gerou um protesto por parte do Japão. Tibets considerou a reacção japonesa "ridícula", mas membros do Governo dos Estados Unidos pediram desculpa.
Tibbets não quis um funeral ou pedra tumular por temer que, assim, criaria um espaço para os protestantes se manifestarem. Pediu que as suas cinzas fossem espalhadas no Atlântico Norte.

Exclusivo PÚBLICO/Los Angeles Times

Sugerir correcção