Bem-vindo chefe gigante

É uma nova espécie de dinossauro e foi baptizada Futalognkosaurus dukei pelos seus descobridores argentinos e brasileiros devido ao seu tamanho colossal. Em mapudungun, a língua dos índios mapuche da Patagónia, "futa" significa "gigante" e "lognko" quer dizer "chefe"

a Imagine-se o triste e solitário fim de uma vida de dinossauro, numa desolada planície aluvial da Patagónia, há uns 80 milhões de anos. Um colossal lagarto herbívoro - doente, ferido, exausto? Não se sabe ao certo - deixa-se tombar à beira de um rio. Com algum estrondo, certamente, visto ser uma mole de 70 toneladas de carne e ossos com um comprimento equivalente ao de um prédio de onze andares e mais de dez metros de altura. Talvez a própria queda lhe tenha partido o desmesurado pescoço, que mede cerca de 15 metros. Seja como for, o réptil gigante nunca mais se ergue: fecha os olhos e morre.A seguir, a sua carcaça é parcialmente despedaçada pelos dinossauros carnívoros que costumam caçar naquelas remotas paragens. Não durante muito tempo: de repente, o local onde jaz fica completamente alagado devido a fortíssimas chuvadas. O rio extravasa as margens, arrastando os restos do cadáver para o seu leito. Mas a sua história não acaba aí.
"Devido ao seu gigantesco tamanho, a carcaça terá tido o efeito de uma barreira, reduzindo o impacto das correntes criadas pelas inundações posteriores tão frequentes na estação das chuvas", escrevem Jorge Calvo, da Universidade de Comahue, no norte da Patagónia, e os seus colegas argentinos e brasileiros nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, onde a descoberta deste dinossauro, de uma espécie até aqui desconhecida, acaba de ser oficializada. "Isto levou à deposição de materiais orgânicos adicionais à volta da enorme carcaça." A dada altura, o rio mudou de curso e formou-se um lago.
Uns 80 milhões de anos mais tarde, em 2000, a equipa de Calvo encontrou os primeiros restos do animal - três vértebras cervicais - nos sedimentos do Cretácico Superior à beira do lago Barreales, na província Argentina de Neuquén (norte da Patagónia). E descobriu assim o esqueleto do dinossauro gigante (ou titanossauro) mais completo de sempre; o esqueleto de um dos maiores lagartos a ter povoado a Terra.
Baptizaram esta nova linhagem titãs reptilianos Futalognkosaurus dukei - "futa" e "lognko", em homenagem ao povo mapuche, indígeno da Patagónia e em cuja língua significam "gigante" e "chefe", respectivamente; e "dukei" para lembrar que a empresa Duke Energy Argentina ajudou a financiar a escavação.
Anteontem, no Rio de Janeiro, os cientistas apresentaram oficialmente a nova espécie, mostrando nomeadamente uma réplica de uma das suas vértebras, que tem um metro e dez de comprimento. Desde a descoberta das primeiras ossadas, há sete anos, já desenterraram o pescoço, a coluna vertebral (que só por si pesa nove toneladas), a pélvis e a primeira vértebra da cauda do animal.
Futalognkosaurus dukei, escrevem ainda os investigadores na revista da Academia brasileira, tem um tamanho comparável ao dos titanossauros Argentinosaurus huinculensis e Puertasaurus reuili, descobertos em 1993 e 2005, "que são, até à data, considerados os maiores de todos os saurópodes". É verdade que, com os seus 32 a 34 metros de comprimento, a nova espécie é mais pequena do que aqueles seus "primos", que chegavam a ultrapassavar os 40 metros. Mesmo assim, é a terceira maior - e enquanto o registo fóssil daqueles dinossauros permanece até hoje muito incompleto (cerca de 10 por cento do esqueleto), o do Futalognkosaurus dukei corresponde a 70 por cento do total. "É o dinossauro gigante mais completo do mundo", disse Calvo ao P2. Além disso, os cientistas encontraram ao pé dele um manancial de fósseis vegetais e animais que lhes permitiram ter uma boa ideia do ecossistema em que este dinossauro vivia. O conjunto de fósseis confirma que o clima na Patagónia no fim do Cretácico era quente e húmido - ao contrário do que é na Patagónia de hoje, transformada numa extensão árida e fria, quase desprovida de vegetação.
A descoberta é tanto mais importante, salienta Calvo, quanto "está associada a um ecossistema único do Mesozóico [a era geológica que vai de 225 a 65 milhões de anos atrás], com plantas, peixes, crocodilos, tartarugas, pterossauros [répteis voadores] e outros dinossauros".
Mundo perdido
Durante as escavações, foram encontrados mais de 500 dentes de dinossauro e um fóssil da espécie carnívora megaraptor. Terá sido este o último predador a espetar os dentes na carcaça do gigante morto, para depois se afogar junto dele na enxurrada? Quem sabe...
"A acumulação de fósseis de peixes e de folhas, bem como de outros dinossauros, à volta do achado é algo de absolutamente fantástico", diz por seu lado Alexander Kellner, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos co-autores da descoberta, citado pela BBC. "Folhas e dinossauros juntos são uma grande raridade. Para nós, é como se tivéssemos descoberto todo um mundo perdido."
Quanto ao dinossauro em si, foram as características do seu pescoço - de grande diâmetro, muito forte e imponente - que permitiram aos seus descobridores concluírem que estavam perante uma nova espécie. "Os estudos anatómicos mostram que não existe um outro dinossauro com as características do Futalognkosaurus", responde-nos Calvo.
"Tenho a certeza de que se trata de uma nova espécie", concorda Peter Mackovicky, especialista em dinossauros do Field Museum de Chicago, contactado telefonicamente pela AP. E Jeff Wilson, da Universidade do Michigan, numa outra entrevista telefónica à mesma agência noticiosa norte-americana, remata: "Quero deixar claro o quão incrível é ter um esqueleto parcial de algo deste tamanho. Não é possível estudar este tipo de ossos colocando-os em cima de uma mesa e mexendo-neles; somos nós que nos temos de mexer à volta deles."

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