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Fernando Guimarães O poeta e a "obra necessária"

A Associação Portuguesa de Escritores atribuiu ao livro "Na voz de um nome" o Grande Prémio de Poesia 2006. Fernando Guimarães, 79 anos, natural do Porto, foi galardoado pela 2ª vez com esta distinção. Será desta que o autor, também tradutor, ensaísta e crítico literário, deixa de ser "um poeta português injustamente esquecido"?

a Fernando Guimarães (Porto, 1928) é um reincidente na lista de autores galardoados com o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (APE). Em 1992, a distinção reconheceu a obra O Anel Débil (Edições Afrontamento); volvidos 15 anos, foi o livro Na voz de um nome (Roma Editora) que recolheu a unanimidade do júri da APE, composto por Maria de Lurdes Sampaio, Manuel Gusmão e Ernesto José Rodrigues. Ao P2, Manuel Gusmão explicou que o júri quis dar reconhecimento à "importância de obra" de Fernando Guimarães, salientando que Na voz de um nome "é um dos melhores livros" do autor. "Tem uma dimensão metapoética muito acentuada e possui uma série de sonetos que revelam uma mestria técnica. É um livro bastante forte e bastante interessante", justificou. A decisão, disse ainda, deveu-se igualmente ao "esquecimento" a que Fernando Guimarães é votado enquanto poeta: "É um poeta português injustamente esquecido."
O anúncio do Grande Prémio de Poesia 2006, cujo valor monetário é de cinco mil euros, foi feito no início da semana e deu a Guimarães, nascido na freguesia de Cedofeita há 79 anos, uma boa dose de contentamento. "A atribuição deste prémio traz regozijo", afirmou ao P2. Mas não só. "Mostra sobretudo um interesse pela poesia", acrescentou o autor, que é também ensaísta, tradutor e crítico literário.
O "interesse", porém, parece ter restrições. "A poesia contemporânea não encontra um público alargado", notou, argumentando que, actualmente, a linguagem poética "não encontra o reflexo imediato" que existia no século XIX. "Nos tempos do Romantismo havia um maior contacto com a poesia, talvez por esta ser muito subjectiva e emocional. Ia ao encontro das preocupações e da sensibilidade do público." No século XXI, a reflexão não se afigura como uma "virtude generalizada das pessoas": "A natureza de uma linguagem como a poética tende para o rigor e para uma densidade que exige do público uma maior reflexão. E a reflexão talvez não seja uma virtude da generalidade das pessoas", defendeu o escritor.
50 anos de trabalho poético
A escolha de Na voz de um nome para Grande Prémio de Poesia 2006 coincide com a celebração de 50 anos de trabalho poético publicado. Em 1956, o escritor viu editado o seu primeiro livro de poesia, Face junto ao vento, mas poucos anos antes já tinha debutado na revista Eros, com a publicação de alguns poemas. Fernando Guimarães era, então, um jovem estudante do curso de Ciências Histórico-Filosóficas da Universidade de Coimbra (leccionou Filosofia em várias escolas do ensino secundário).
Meio século de poesia corresponde a pouco mais de uma dezena de obras editadas - "julgo que 12", hesitou. Mas o poeta que nunca data os poemas descartou a preocupação de ter uma bibliografia poética vasta. "Procurei fazer aquilo que, para mim, seria uma obra necessária. Não para os outros, mas para mim. Mas se ela puder dizer qualquer coisa aos outros, se abrir um caminho de comunicação, então sentir-me-ei feliz. Mais nada", afirmou o autor de Casa: o seu desenho (Imprensa Nacional, 1985). Essa "obra necessária", resultado de uma escrita que conjuga sempre "qualquer coisa de imediato e qualquer coisa de elaborado", possui desde muito cedo três excelsas referências - Fernando Pessoa, Rainer Maria Rilke e Friedrich Hölderlin, autores que Fernando Guimarães não mais largou desde os anos vividos em Coimbra. "Era um pouco esse universo em que me movia", recordou, ressalvando que as suas leituras não se confinavam a estes escritores. "Mas eram, de facto, referências fundamentais."
"Poesia é uma experiência"
Para além da sua poesia, também o seu trabalho enquanto tradutor reflecte afinidades literárias muito concretas - Shelley, Keats, Byron, Dylan Thomas (traduziu para a Assírio & Alvim uma selecção de poemas do autor galês sob o título A Mão ao Assinar Este Papel), mas também Hugo von Hofmannsthal e Elaine Feinstein. Numa crítica ao livro Lições de Trevas (Quasi, 2002, obra que recebeu o Prémio Luís Miguel Nava 2003), publicada no Diário de Notícias, Pedro Mexia apontava sobretudo para a influência dos poetas românticos na poesia de Guimarães: "Se alguma tradição especificamente filosófica se pudesse invocar, seria antes a fenomenologia, mas faz mais sentido remeter para os poetas românticos ingleses e alemães, ou para Rilke e Eliot, entre os contemporâneos".
Nas suas Líricas Portuguesas, Jorge de Sena chamava a atenção para os poemas do escritor definindo-os desta forma: "[São evocadores de] uma atmosfera visionária mas estranhamente tranquila." O poeta, ouvindo novamente as palavras de Sena, disse, rindo, que elas lhe "sugerem qualquer coisa...". Após uma breve pausa, falou sobre a "experiência" da sua escrita poética: "Sempre achei que a poesia é uma experiência - uma experiência da linguagem, naturalmente, e também da imaginação. Realiza-se, assim, um encontro que não é propriamente com os leitores, mas com o espaço literário, com situações de leitura." E continuou: "A poesia é esse espaço de comunicação que se faz através da linguagem e dos nossos imaginários. Julgo que o Jorge de Sena esteve atento àquilo que se dá na minha linguagem poética e no meu imaginário."
Autor de uma bibliografia ensaística orientada sobretudo para as artes plásticas e para a cultura literária (Poética do Saudosismo, Os Problemas da Modernidade e Simbolismo, Modernismo e Vanguardas, são alguns dos títulos), Fernando Guimarães trabalhou durante vários anos como investigador do Centro de Estudos de Literatura da Universidade do Porto, a convite de José Augusto Seabra. O estudo das revistas literárias portuguesas publicadas desde o Simbolismo foi um dos trabalhos que ali realizou.
A poesia esteve sempre no seu horizonte criativo. Mesmo quando experimentou escrever um livro de pequenas narrativas (As Quatro Idades, Presença, 1996) e uma peça de teatro (Diotima e as outras vozes, Campo das Letras, 1999). Sobre estas duas obras, Fernando Guimarães notou que ambas se movimentam no "universo" da sua poesia. Aliás, como tudo o resto. Para breve, está prevista a publicação, pela Quasi, de uma antologia poética, à qual será aditada "um breve livro inédito".

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