Torne-se perito

Diana As crónicas controversas

Sarah Bradford, uma das maiores especialistas na vida de Diana de Gales, a "Princesa do Povo" que morreu há quase dez anos (a 30 de Agosto de 1997), detestou o livro de Tina Brown The Diana Chronicles. Mas a sua recensão do livro também foi vista por muitos como detestável. A edição portuguesa, Diana, uma vida, chega esta semana às livrarias e aqui deixamos três extractos

As últimas horas

A contagem descendente para o desastre, como um filme acelerado.19h00. Rodeados por um enxame de paparazzi, os dois amantes saem do Ritz para o apartamento de Dodi, na Rua Arsène-Houssaye. A princesa está perturbada pelos empurrões e gritos dos fotógrafos. Mas será que o casal fica tranquilamente a recato, a beber o seu champanhe? Não.
21h35. Saem e enfrentam a turba para ir comer um jantar que poderiam facilmente ter mandado servir em casa. Descem os Campos Elísios à cabeça de um ululante comboio de viaturas da imprensa. (...) As motos e as scooters dos fotógrafos colam-se ao Mercedes "como autênticos diabos", no dizer de uma testemunha. Diana está habituada a este assédio, mas Dodi entra em pânico. Não consegue lidar com problemas a sério, só com os falsos problemas. A gota de água é o facto de os paparazzi estarem agora a surgir de todos os lados, e não apenas a segui-los.
21h45. Ordena ao motorista que regresse ao Ritz. É lá que vão jantar. Péssimas notícias para o maître do L"Espadon. A restaurante está à cunha e, nos quinze minutos que Dodi lhe deu, vive o pesadelo conseguir uma mesa. O filho do proprietário e a princesa de Gales arriscam-se a não terem onde se sentar!
21k53. Diana entra no Ritz, seguida por Dodi. Em vez de o fazerem pela discreta porta das traseiras, que dá para a Rua Cambon, optam pela inevitavelmente pública porta principal. O agente de segurança de turno nessa noite, François Tendil, fica de tal modo alarmado pela multidão de jornalistas que liga para casa do chefe, Henri Paul, a pedir ajuda. (...) O casal dirige-se à sala de jantar. Dodi insurge-se contra Kez Wingfield, dando-lhe aquilo que este recorda como "a mãe de todas as descomposturas" (...). Sentada à mesa arranjada à pressa na sala de jantar, também Diana acaba por perder a compostura. Uma das imagens mais pungentes das suas últimas horas é a de uma bela mulher a chorar, silenciosamente, à vista de toda a clientela do L"Espadon.
22h10. O casal, tendo encomendado o jantar, não fica para o comer. Fogem aos olhares embaraçados dos presentes e mandam servir a refeição na suite imperial, de onde saíram três horas antes. Enquanto jantam, os dois guarda-costas esperam no bar do hotel, o Vendôme, onde, pouco depois, Henri Paul se lhes vai juntar. Paul ingere dois copos de um líquido amarelo que os guarda-costas julgam ser refresco de ananás mas que na realidade era, como mais tarde se saberá, o alcoólico pastis Ricard, uma das bebidas preferidas dos franceses. Lá fora, a porta principal do Ritz está sob cerco. (...) O facto de Diana e Dodi não terem ficado entrincheirados na sua suite para desfrutarem de uma sossegada noite romântica - e o facto de, agora que voltaram àquele refúgio, saírem para enfrentar pela terceira vez o assalto dos media, como se preparam para fazer - sugere uma necessidade quase compulsiva de serem vistos.
(...) Dodi era um novato no jogo dos media, mas Diana era a sua mais hábil praticante. Estava muito à frente dos seus contemporâneos na antevisão de um mundo em que a celebridade era, por assim dizer, a moeda do reino. (...) Sendo ela uma aristocrata,
Diana sabia que a aristocracia de berço se tornara irrelevante. Só contava a aristocracia da exposição. O problema era que, entre desnortes do coração, abusava dessa exposição. A máquina fotográfica era a atracção fatal de Diana. Tinha um sexto sentido que lhe permitia saber quando estava apontada para ela, mesmo quando não a via. A objectiva criara a imagem que lhe dava tanto poder e ela viciara-se na sua magia, mesmo quando a magoava. A obsessão da sua vida era como controlar o génio que tinha libertado.
Durante as férias, andara constantemente envolvida numa dança perigosa com a imprensa. (...). Depois do acidente, veio-se a saber que as imagens mais sensacionais do seu último Verão - por exemplo, a famosa primeira página do Sunday Mirror intitulada O beijo, com uma fotografia dela abraçada a um Dodi de peito nu, ao largo da costa da Córsega, e pela qual o jornal pagou ao fotógrafo Mario Brenna um quarto de milhão de libras - resultaram directamente de "dicas" da própria Diana. Quando foram publicadas, a princesa ligou para o fotógrafo não para protestar, mas para perguntar porque tinham saído com tanto grão. Na sua última noite em Paris contactou, pelo telemóvel, Richard Kay, o seu confidente no Daily Mail, que andava às compras em Knightsbridge, para saber o que se passava na imprensa, e confessou que estava cheia de medo do que diriam os jornais de domingo. O que Diana subestimou foi o apetite pelos holofotes do próprio Mohamed Al Fayed. Durante todos aqueles dias, acompanhou diariamente os movimentos do filho e da princesa, passou informações para colunistas sociais como Nigel Dempster, do Daily Mail, e contratou um publicitário, Max Clifford, para promover o passeio mediterrânico como o romance do século. Este esforço revelou-se incendiário.
(...) Tem sido muitas vezes dito que, no Verão de 1997, Diana tinha entrado numa espiral de autodestruição. Quanto a mim, prefiro pensar naquelas últimas semanas de exibicionismo como uma recaída, um gesto dorido e doloroso provocado pelo ruir, uma vez mais, de todas as suas esperanças românticas. É sem dúvida uma das ironias mais tristes da vida de Diana o facto de, precisamente quando estava prestes a desembaraçar-se dos elementos mais tóxicos da cultura da celebridade e usar a sua fama como instrumento de um ousado activismo social, ter sido fixada pela morte numa imagem de fatal ostentação.

O fiasco da lua-de-mel

Até ao casamento, toda a vida de Diana tinha girado em torno do Sonho. Não foi ela a primeira noiva a esconder as suas crescentes dúvidas na espuma e fervor do planeamento do grande dia. E, no seu caso, a nação britânica em bloco foi cúmplice de uma fantasia que deixou os meios de comunicação do mundo inteiro a suspirar de amor. Mas a partir do momento em que a lua-de-mel começou, foi como se tivesse finalmente acordado de um coma diabético. (...)Na conversa com Andrew Morton, enumerou, um a um, todos os actos de rejeição do príncipe Carlos que eram a causa da sua desolação - as fotos de Camilla que caíam de entre as páginas do diário dele quando viajavam pelo Mediterrâneo a bordo do Britannia, o refúgio dele em solitárias e profundas leituras, os botões de punho oferecidos por Camilla e que ele usava, ignorando os sentimentos da jovem esposa - mas o que deu uma dimensão assustadora ao desgosto dela foi a súbita e nítida compreensão de que todas as coisas que a tinham oprimido durante o noivado eram agora a sua vida para sempre. Foi como uma onda gelada a bater-lhe na cara. O espírito envelhecido, a frieza, o cadaverismo da vida da realeza, a sua misoginia disfarçada, o seu silêncio sussurrado, o seu sufocante ambiente social em constante confrontação com bajuladores desconhecidos, ia ser sempre assim até ao fim dos seus dias. Nenhuma outra razão explicaria a violência do pânico que a assaltou.
(...) Depois do casamento do século, a tensão acumulada ao longo de todas aquelas semanas e meses de desvario mediático era tão grande que uma quebra brutal se tornara inevitável. O que ela queria era dormir e fazer amor e viver durante algum tempo num casulo de calma intimidade com o marido que mal conhecia. Em Broadlands, a esplêndida mansão paladiana dos Mountbatten no Hampshire, onde estiveram enterrados três noites antes de voarem para Gibraltar e iniciarem o seu cruzeiro pelo Mediterrâneo, o príncipe dedicou a maior parte do tempo a pescar trutas no rio Test. Os recém-casados dormiam na mesma pequena cama de dossel onde a rainha e o príncipe Filipe tinham passado a sua noite de núpcias, trinta e quatro anos antes. Diana ficou intrigada por uma gravura francesa do século XVIII pendurada por cima da lareira do quarto e que mostrava uma mulher sentada diante do toucador com um admirador aos pés. O seu francês de colegial exigia que Carlos traduzisse os versos que serviam de legenda: "Égard, tendresse, soins, tout s"épuise en ce jour/Bientôt l"Hymen languit et voit s"enfuir l"amour." Quando ele hesitou, ela perguntou se era "ordinário". "Não, mas não é muito animador", respondeu Carlos. Ela insistiu, e ele traduziu: "Consideração, ternura, cuidados, tudo se esgota nesse dia/Depressa Hymen [o deus do casamento] enlanguesce e vê fugir o amor." Maravilhoso. Diana contou a Andrew Morton que "era triste" e que as suas "tremendas esperanças foram cortadas logo no segundo dia".
A princesa esperava que o seu príncipe, finalmente afastado da amante, a achasse atraente, mas Diana parece ter tido imediatamente consciência de que não conseguia agradar a Carlos. "A primeira noite não foi nada de especial", contou o príncipe a um amigo. "Foi agradável, claro. Mas ela era na verdade dolorosamente ingénua." O troféu transformado em fetiche até ao casamento - a virgindade de Diana - era agora uma fonte de mal disfarçado desapontamento sexual para o homem que ela adorava. Carlos gostava de mulheres que o guiassem, o dominassem, que fizessem o papel de mãe. Estava habituado a ser servido, não a ter de seduzir. Diana estava desejosa, mas era inexperiente e nada imaginativa. Durante a lua-de-mel, o sexo aconteceu "infrequentemente", e quando aconteceu "não foi grande coisa". Diana diria, mais tarde, que ele limitava o seu desempenho a "um mete e tira". Os problemas, confidenciou ela a James Colthurst, eram "geográficos", sugerindo que ou Sua Alteza Real tinha dificuldade em localizar as zonas erógenas dela, ou focava as dele em áreas aonde ela não queria ir. Por uma questão de justiça, há que admitir que o facto de ela passar a vida a vomitar não ajudava muito as relações sexuais. Na altura, como admitiu na conversa com Morton, a bulimia "estava em força". Fossem quais fossem as questões técnicas, a noiva de vinte anos tinha o direito de desejar o afecto e a intimidade que se seguem a uma longa sessão de bom sexo conjugal. O problema era que Carlos já era casado. Os ternos interlúdios pós-coitais que Diana ansiava pertenciam a Camilla. Broadlands estava cheia de memórias da ex-amante. Fora a principal das "casas seguras" que costumavam usar para os seus encontros, doze anos antes.

A corrida contra a morte inevitável

Da matilha que seguira Diana a partir do Ritz - cinco carros, três motos e duas scooters -, o primeiro a chegar ao local tinha um nome à medida de um linchamento público: Romuald Rat. (...) Enquanto corria, Rat fez uma foto, e depois mais duas. Como poderia não o fazer? A cena, fantasmagoricamente iluminada pelas luzes fluorescentes do túnel que passa por baixo da Place d"Alma, era tão infernal que exigia ser registada. O Mercedes estava transformado num monte de metal retorcido. O fumo cinzento do motor misturava-se a vapores de gasolina e a um cheiro metálico de coisas queimadas. A buzina tocava sem parar, pressionada pelo corpo sem vida do condutor, Henri Paul, projectado contra a coluna de direcção pelo impacte de uma colisão frontal com o décimo terceiro pilar de betão do túnel a cento e dez quilómetros por hora. A princesa de Gales, Dodi Fayed e o guarda-costas, Trevor Rees-Jones tinham sido atirados de um lado para o outro quando o carro ressaltara e atravessara, a rodopiar, duas faixas de rodagem antes de ir chocar contra a parede do lado direito. Diana estava caída de costas no chão do que restava do carro, com a cabeça entalada entre os dois assentos dianteiros e voltada para trás. As jóias que usava - uma pulseira com seis fiadas de pérolas e um relógio de ouro decorado com pedras brancas - estavam espalhadas pelo interior do veículo.(...) O primeiro médico apareceu pouco mais de um minuto depois. Os fotógrafos afastaram-se para o deixar passar. O Dr. Frédéric Mailliez, de trinta e seis anos, trabalhava para o serviço de emergência SOS Médecins, mas foi por puro acaso que, de regresso de uma festa de anos, entrou no túnel vindo da direcção oposta, viu o fumegante destroço e chamou os serviços de emergência pelo telemóvel. "A porta traseira já estava aberta quando cheguei ao carro (...). Comecei a examinar a jovem que estava na parte de trás. Vi que era muito bonita, mas naquela altura não fazia ideia de quem se tratava." Diana estava a ter dificuldade em respirar. Mailliez correu para o seu carro, tirou uma máscara e uma botija de oxigénio e voltou ao Mercedes para aplicar cuidadosamente a máscara sobre a boca e o nariz de Diana. Ela resistiu "gemendo e gesticulando em todas as direcções". Quando gritou, o médico soube que era inglesa. "Repetia que lhe doía muito." Não tinha ferimentos externos evidentes, além de um golpe na testa, e o pulso era rápido e fraco. Mailliez pensou que tinha boas possibilidades de sobreviver. (...)
A teoria e a prática francesas foram submetidas a uma dura prova quando o coordenador do SAMU, o Dr. Arnaud DeRossi e o Dr. Jean-Marc Martino, um especialista em reanimação, tomaram conta de Diana, à meia-noite e quarenta. DeRossi consultou o Controlo do SAMU a respeito da melhor maneira de tratar a princesa, enquanto Martino a examinava. Achou-a consciente, mas incoerente e confusa. Debateu-se quando ele a pôs num gota-a-gota intravenoso para a viagem até ao hospital. O braço direito estava torcido e deslocado, o que complicava a operação de a retirar do interior do carro. À uma da manhã, o médico conseguira estabilizar a tensão arterial e a respiração e, com muito cuidado, ele e os bombeiros tiraram-na do meio dos bancos e deitaram-na numa maca. Infelizmente, mal começaram a empurrá-la para a ambulância, o coração dela parou de bater. (...) Foram necessários dezoito minutos de reanimação cardio-respiratória para a estabilizar o suficiente para ser deslocada.
(...) À uma e quarenta e um, Martino ordenou ao condutor da ambulância que seguisse para o Hospital Pitié-Salpêtrière, situado na Margem Esquerda, perto da Gare d"Austerlitz. Uma viagem de seis quilómetros (...) [mas] DeRossi e o Controlo do SAMU concordaram em que era a melhor hipótese para Diana. Tinha o pessoal necessário, e nessa noite estava de serviço um médico particularmente hábil no tratamento dos ferimentos que Diana aparentava ter (...).
O avanço da ambulância era angustiantemente lento devido à convicção do Dr. Martino de que o coração não resistiria ao mais pequeno solavanco. E os receios dele confirmaram-se. Quando estava a chegar ao Jardim Botânico, à vista do hospital, a tensão arterial de Diana desceu perigosamente. Mandou parar a ambulância às duas da manhã. Aumentou o nível de dopamina para voltar a estabilizá-la. Finalmente, entraram a passo de caracol no pátio do Pitié-Salpêtrière.
Era um destino tristemente apropriado para o último dia da vida de Diana. Se o Ritz representa o apogeu da sociedade do glamour, o Pitié-Salpêtrière representa o nadir da sociedade dos marginalizados, dos infelizes que Diana tentara abraçar no seu trabalho de solidariedade. O hospital fora construído no século XVII para albergar as mulheres sem tecto e as prostitutas mandadas arrebanhar e prender por Luís XIV. (...)
Dentro do Pavilhão Cordier, a luta pela vida de Diana foi frenética, mas controlada. Os raios-X revelaram que uma hemorragia na caixa torácica estava a comprimir o coração e o pulmão direito. Drenaram o sangue e ministraram-lhe uma transfusão maciça, mas, às duas e dez da manhã, o coração voltou a parar. O Dr Riou chamou o Professor Alain Pavie, o cirurgião cardiotorácico de prevenção, mas ele e Moncef Dahman, o cirurgião-chefe de serviço, começaram logo a abrir o peito de Diana para descobrirem o que causava a hemorragia. O Professor Pavie chegou e a princesa foi transferida para o bloco. Pavie alargou a abertura. Encontraram uma ruptura na veia pulmonar superior esquerda, provocada pela deslocação do coração da esquerda para a direita, em resultado da violência do embate. Suturaram a veia. A hemorragia foi estancada, mas o coração de Diana desistiu novamente. Durante uma hora, tentaram massagem cardíaca directa, adrenalina, estimulação directa e desfibrilação com várias voltagens. Desta vez, o coração destroçado de Diana não voltaria a recuperar.
Diana - Uma vida
Tina Brown
Asa
448 págs., 19 euros

Sugerir correcção