Ele manda no humor em Portugal

Manobras de Diversão, um projecto com Bruno Nogueira, Manuel Marques e Marco Horácio A Conversa da Treta, com José Pedro Gomes e António Feio, vista por Nuno Markl
Nuno Artur Silva com Herman José nos bastidores de Parabéns, em 1995
George W. Bush visto pelo
ContraInformação
a Acompanhemo-lo durante um dia. Pode ser esta sexta-feira 18, em que tem a última gravação, antes das férias, do programa satírico O Eixo do Mal (sábados, cerca da meia-noite, na SIC-Notícias). Porque se trata de uma excepção (o programa costuma ser gravado noutro dia e normalmente logo ao início da manhã), Nuno Artur Silva pôs o despertador para as oito. Quer fazer, antes da gravação, tudo o que a agenda lhe impõe e mais aquilo que a rotina já consagrou - a leitura dos jornais no escritório ainda vazio. E focar-se, se a oportunidade surgir, no que considera essencial: ler, escrever, pensar.
Chega, tira um café, abre o computador, estende os jornais do dia (no escritório, situado nas proximidades do Jardim das Amoreiras, recebe-se tudo o que vai saindo).
Os 30 a 45 minutos que dedica à imprensa escrita e à leitura da blogosfera servem-lhe para se manter a par do que vai pelo mundo. Interessa-se por comportamentos, tendências, reportagem, comentário. O resto da atenção dirige-a para fragmentos que saca, cola, coloca e recoloca em programas, ideias, realizações em curso na empresa.
(Alguém lhe dirá a brincar, daqui a pouco, que já não é, nas Produções Fictícias [PF], o CEO - director-executivo; mas o CCO - director criativo. Concorda, não tivesse ele a quase obsessão de lembrar que é um autor em comissão de serviço. E não um gestor de autores, estatuto que, de vez em quando tem provocado abalos internos na vida da empresa, como a seu tempo se há-de relatar.)
Prepara um Eixo do Mal especial, dedicado à eleição autárquica em Lisboa. Antes da primeira reunião, às 10h, faz telefonemas para saber o andamento de projectos na rádio pública (do outro lado da linha, Rui Pego) e com os Gato Fedorento (Ricardo Araújo Pereira é o interlocutor).
À medida que começa a chegar a equipa, Nuno Artur Silva, 45 em Outubro próximo, entra na fase que mais lhe agrada: "surfar sobre a onda" que surja, imprevisível.
Hoje, a primeira trouxe-a Maria João Cruz: "O Mipcom tem um concurso de conteúdos só para telemóvel. Acho que devíamos concorrer com o formato que fizemos com a RTP, o 15". Nuno concorda.
Faz um ponto de situação com Luís Soares, director do Sapo Vídeos, sobre o PFTV (pftv.sapo.pt). "Temos dois milhões de visualizações em dois meses, o que é excelente. Fizemos a estratégia para Setembro."
Questões relacionadas com o Tivoli, sala que exploram em sociedade, levam-no ao contacto telefónico com Herman José e Pedro Seia, director-geral da HZP. Aproveita a presença, nos escritórios, de Rui Sinel de Cordes para o convidar, e ao seu parceiro de escrita, Roberto Pereira, a passarem de colaboradores intermitentes a associados, o patamar intermédio das Produções Fictícias (sócio é o mais alto).
Depois da entrevista falará com Nuno Duarte sobre projectos de ficção, nomeadamente uma série juvenil, que este coordena. Tem a seguir uma reunião com Miguel Soares, director da B6, empresa que faz a ponte entre as marcas e os conteúdos. Na mesa estão algumas ideias sobre uns "conteúdos para teatro", em que a marca Coca-Cola, que a B6 representa, se mostra interessada.
Pratos, como no circo
Antes da gravação do programa e de um jantar, que inclui uma saltada à FNAC, com o filho João, para escolha dos livros que este levará para férias, consta ainda da agenda uma outra reunião. Depois vão ser as férias. Na Dinamarca uns dias; em Portugal, o resto. A meio, uma saltada ao escritório, para "fechar" o mês.
Dias pouco rotineiros, portanto: "De repente, é necessário reunir um grupo informal para resolver um assunto; há uma crise com um texto, que veio para trás, não pode ser gravado, é preciso procurar o autor, vamos buscá-lo."
Nuno sente um enorme prazer nesta forma de trabalhar. "Entro aqui de manhã e gosto de me sentir como os tipos que põem os pratos a girar [no circo] e andam de um lado para o outro, "olha que vai parar". Ele precisa de estar atento. De vez em quando parte-se um prato, outro precisa de receber um impulso."
O leitor tente ver os pratos postos a girar pelas PF, nos próximos dias, na paisagem mediática em que mergulha entre o acordar e o adormecer (ver caixa Em cartaz).
A tentação, para quem olha para o quadro, é dizer que a empresa esgota, por si, o humor em Portugal. Ou para lá caminha, numa passada que dir-se-ia anunciar a instauração de um monopólio no humor mediático nacional (ver caica O Fantasma do monopólio).
Nuno não aceita de todo a ideia. "O único poder que temos é o da autoria. Os meios de distribuição não são nossos. Só agora, na Net, é que, pela primeira vez, não precisamos de estar à espera de uma resposta: colocamos lá o produto."
Entra no jogo. Lembra que "há muita gente engraçada" fora da sua empresa. "O que eu quero é que venham para cá. Tem acontecido nas Produções. Logo no princípio, comecei a ouvir coisas engraçadas no Correio da Manhã Rádio. Um puto. Chamei a atenção dos outros. Um dia decidimos ir falar com ele. Convidámo-lo para se juntar a nós. Era o Nuno Markl. Isto é válido para humor e para as outras áreas: até a música. Por iniciativa do Markl, tomámos atenção aos The Gift e um dia convidámo-los para fazerem a banda sonora da série que estávamos a escrever."
Dá o exemplo de outras figuras dos media que gostava de ver juntarem-se a eles: "O Miguel, que fazia cartoons para o PÚBLICO. E o André Carrilho. Tem um traço fabuloso, adorava trabalhar com ele."
À velha questão de se querer saber quem tem graça - o texto ou quem o diz? - responde com algo semelhante ao ovo e à galinha. "Nós, com grandes comediantes como o Herman, já fizemos textos maus que ditos por ele se tornaram óptimos. E tivemos textos bons que ditos por um mau actor se estragaram. A comédia vive muito do timing e do deliver (a maneira como é lançado). Armando Cortez dizia por exemplo que o grande timing, na comédia, era quando já não havia tempo para dizer mais nada e o actor introduzia a frase no último segundo. Ele era mestre nisso. "O humor é uma arte de conversação", dizia por seu lado o Jorge Luís Borges, o que significa que deve haver uma intenção oral que o texto irá ter, embora haja grandes textos de humor para serem lidos. Associo a ideia do humor a uma performance. Parte do seu êxito está ligado à maneira como."
Entre anarcas
A memória vai até lá muito atrás, ao Liceu de Pedro Nunes, quando, chegado o 25 de Abril, os currículos foram postos de lado: "Na Preparatória, a história de Portugal era toda feita dos grandes heróis da nação; em 1975, desapareceram todos os protagonistas, só havia movimentos sociais e económicos. A partir daí deixou de haver aulas, passou a haver eventos: professores saneados, pancadaria, guerras MRPP - CDS, guerras MRPP-UEC". Desse período ficou-lhe a imagem sonora de um colega, virado para ele, de boina, a censurá-lo: "Não tens consciência política nenhuma..."
Toda a gente tinha partidos, mas ele e um pequeno grupo quiseram ser anarcas. "Enchemos as paredes de slogans; tentámos fazer grupos musicais - área para a qual não tenho nenhum talento; fizemos revistas com poemas; pelo meio, uns textos humorísticos. "Ia para engenharia, influência de um amigo da família por quem tinha grande admiração. Mudou para Letras na Nova - Estudos Portugueses e Ingleses. Ficou finalmente a fazer aquilo de que gostava: as histórias e os processos de as contar; a literatura.
Começa a fazer Teatro na Nova. Junta os amigos do liceu e os novos da faculdade. Montam peças de teatro e recitais de poesia surrealista na Mandrágora, "um grupo anarca, com gente entre os 17 e os 21 anos".
Ensaios nas antigas instalações do jornal A Batalha, numa padaria abandonada ao lado da sede do MRPP. Passam depois para a Base-Fut (onde conhece Zeca Afonso, pois lá funcionava também a cooperativa Era Nova). "É a minha fase PREC."
A dissidência dá-se quando, num ensaio, proclama que é preciso acabar com aquela coisa de serem uma comunidade. Disse-o mais ou menos pelas seguintes palavras, recebidas da pior maneira pelo grupo. "Não sou bom actor, não percebo nada de cenários, não faz sentido estar integrado num grupo em que se faz tudo em conjunto. A única coisa em que posso ser menos mau é a escrever. Proponho que cada um faça o que sabe fazer."
Dissidência à vista. Acusam-no de pequeno-burguês. "Disseram-me: "Vai acabar no Parque Mayer". Não se enganaram muito."
Tirada a licenciatura, dá aulas de Português na Veiga Beirão. E depois na Ferreira Dias, no Cacém. Aqui, passará também a acompanhar turmas em pós-laboral. "Foi uma experiência duríssima. De repente tenho para dar a temática da Ilha dos Amores, Petrarca e a Divina Proporção, e à minha frente um grupo de adultos completamente estoirados do trabalho nas oficinas e nas fábricas a precisarem de tirar o 9º ano para poderem ser chefes de secção. A lírica camoniana, os renascentistas, e ele a olharem para mim. Foi uma experiência fantástica."
Fica lá um ano. Antes de embarcar na experiência contrária: a Linha. E depois as Olaias. Nos intervalos, vai escrevendo: poemas, ideias para histórias e para peças de teatro. Guarda, desse tempo, "blocos de notas infindáveis". E a memória agradecida de quem "adorava tudo o que estava a fazer".
As peças escorregam-lhe sempre para o lado cómico. Invoca Dinis Machado. ""Cada escritor cria sempre os seus precursores", diz, citando Jorge Luís Borges. Eu não me considero um escritor no sentido mais nobre do termo, mas a haver percursor, ele é o Dinis."
Lembra-se bem do momento em que leu O que diz Molero. E de pensar: "É isto que eu quero fazer; gostava de um dia misturar estes ambientes como ele fez aqui."
Quem é quem
O que se passou, entretanto, tem sido objecto da atenção jornalística e deu já um livro de quase 400 páginas (Produções Fictícias. 13 anos de insucessos, de Inês Fonseca Santos, Oficina do Livro, 2006): através de José Nuno Martins, ao tempo responsável na RTP 2, textos de Nuno Artur Santos chegam às mãos de José Pedro Gomes e de Miguel Guilherme, que vão trabalhar num programa de Joaquim Letria. Três meses depois, Herman José faz-lhe a primeira encomenda: as aberturas do programa Parabéns. Segue-se a campanha da Mimosa. Ainda Nuno é professor, quando o telefone começa a tocar com insistência. Sem tempo para responder a todas as solicitações, socorre-se dos seus amigos: José de Pina, Rui Cardoso Martins, Miguel Viterbo.
Quatro anos depois, os "miúdos do Herman" assinam as grandes produções que firmam o cómico no lugar da maior vedeta absoluta da televisão e da rádio. A direcção de Joaquim Furtado, na RTP, marca uma nova etapa, ao comprar-lhes e à empresa Mandala, o programa Contra Informação.
No universo da comunicação, as Produções Fictícias consideram-se ainda hoje uma pequena empresa. Especializada no "negócio da criatividade". O futuro deste negócio, aprenderam, é "ganhar menos de mais sítios", o que os levou a montar uma rede de projectos em que representam directa ou indirectamente quase uma centena de criadores e profissionais.
Nuno Artur Silva diz não ter problemas nenhuns em divulgar a quantidade de dinheiro que passa pela empresa anualmente. Precisa de recorrer a Anabela Ventura, contudo, para o detalhe dos números. Um pouco menos de três milhões de euros, informa esta.
O "patrão" apressa-se a pedir certa cautela na análise desta cifra. "Nós agenciamos, por exemplo, o Gato Fedorento, mas o bolo é deles. O dinheiro é movimentado por nós, mas a nossa percentagem é pequena. É na produção que se perde ou se ganha muito dinheiro. O esquema de agenciamento, representação ou criação dá algum dinheiro mas as margens são muito menores", vai prevenindo.
Os autores associados, representados pela empresa, são 30. O núcleo essencial - os sócios - são oito: Nuno Artur Silva, maioritário; José António Pinto Ribeiro (advogado), único não-autor, juntamente com Anabela Ventura, antiga secretária da empresa, convidada a participar "por toda a dedicação" e pelos anos que leva de empresa; e mais cinco autores, os mais antigos - Rui, Pina, Maria João, Filipe Homem Fonseca e Nuno Markl. Entre actores, outros autores, produtores, há uma terceira rede de pessoas, que colabora, directa ou indirectamente, e que inclui figuras como Clara Ferreira Alves, José Júdice e Daniel Oliveira, do Eixo do Mal, produzido pelas PF desde 2004.
Dissidências e tensões
Dos quatro autores da pré-história das Produções, um - Luís Miguel Viterbo - abandonou o grupo. Do grupo seguinte, foi Carlos Fogaça quem entrou e saiu. Do último grupo, João Quadros e Eduardo Madeira são os nomes que Nuno considera "mais relevantes", na dissidência. Há ainda Henrique Cardoso Dias, "que não é tão relevante. Esteve cá um ano ou dois, nunca foi decisivo cá dentro". Houve um processo "doloroso" - a situação que se gerou com Carlos Fogaça. "Pôs em questão a empresa toda."
(Fogaça, co-fundador das Produções Fictícias, em 1996, geria e chegou a financiar nos primeiros anos a empresa, abandonando-a cinco anos depois da formalização legal da sua existência. Hoje, não aprecia que o nome abranja os anos da pré-história da empresa, como o título do livro de Inês Fonseca Santos parece dar a entender.)
Pessoalmente, a saída de João Quadros foi a que mais custou a Nuno Artur Silva. Mas tudo está bem, neste momento, assegura. "É como nas bandas rock: as pessoas, a certa altura, querem editar os seus álbuns a solo."
Admite, porém, que nem tudo são rosas. Não apenas entre os que saíram, mas até entre os que estão. "No início éramos um grupo: cinco pessoas a escreverem na mesma sala e em conjunto. Agora já não somos bem um grupo. Somos uma agência, de facto. Há cumplicidades, amizades, mas também há aqui competição e até inimizades. Há tendências, como nos partidos. Há até gente que não se dá e não se fala. Representamo-los a todos."
Num outro plano, também de fora do grupo sentem anti-corpos. Mas aí, o espanto é de estes serem tão poucos e tão pouco activos. "Como é que ainda não houve mais ataques, quando andamos a metermo-nos há tantos anos com poderes instituídos, às vezes com alguma violência? Não houve ninguém com quem não nos tenhamos metido n vezes."
As culpas da SIC
"O que é que está a falhar no Herman?", perguntamos de chofre. Como se estivesse à espera, Nuno dispara o primeiro argumento. "O que está errado à partida é a encomenda. Não se pedem 42 programas de humor, semanais, com 50 minutos cada um, em país nenhum do mundo. Nunca ninguém produziu humor com qualidade, assim. Não faz sentido."
E a seguir: "Isto parece não ser um dado importante mas é: já não há o mesmo tipo de liturgia que uma programa de televisão tinha [em Portugal, quando a RTP estava sozinha]. O tempo em que Herman era popular, dos A aos Z, acabou. Já não há transversalidade, não há generalistas, à excepção das notícias, o futebol e os eventos especiais".
Contra-argumentamos que sim. Basta ver o fenómeno dos Gato. "Herman está há 30 anos em prime-time. Não há ninguém em Portugal assim", replica.
Sobe de tom: "Isto é um presente envenenado. Uma violência que não serve o Herman, não serve a estação, não serve público nenhum. Se eu fosse programador punha-o a fazer um talk- show às sextas ou sábados. É o que andam a fazer os Joe Soares, os Jay Leno - comediantes que estiveram 10, 15 anos a fazer programas puros e duros. É violentíssimo. Os Monthy Pyton [1969-1974], hoje, estão a fazer documentários. Há dias estive a falar com o Terry Jones e ele disse-me: "Se eu fizer um programa de humor, vão-me sempre comparar com os Monty. Assim faço documentários e eles dizem: "Ah!, está a fazer documentários..." Faz sentido. Comediante é uma profissão de desgaste rápido. Muito rápido. O habitat natural de Herman devia ser um late night [show], onde recebesse pessoas."
Não vale a pena colocarmos-lhe as reservas que tantas vezes se ouviram, quando Herman fazia aquelas entrevistas (inenarráveis, algumas) em que não raro achincalhava - ou, se quisermos ser brandos, embaraçava - o convidado.
"Ninguém conseguiu pôr Tom Jones a cantar como ele. Ele é o editor dele próprio", responde, como quem diz que o comediante é indomável.
Acabará por conceder que este último programa não resulta como se esperaria. Tendo em conta não apenas o apresentador, mas também o envolvimento, na escrita das rábulas, de seis autores de topo das Produções, divididos em duplas de três, sob a coordenação de Maria João Cruz .
"Neste programa, somos os fornecedores de texto em função de uma encomenda. A nossa relação com Herman é igual àquela que ele estabeleceu logo no primeiro minuto em que comecei a trabalhar para ele, quando me disse: "Escreves o que te apetecer; eu corto o que me apetecer". Há momentos em que ele corta muito e há momentos em que ele corta pouco. Neste momento ele está a assumir o controlo total do programa. Há ali coisas que eu não faria assim. Mas quando alguém arrisca, às vezes estampa-se. E dos 50 minutos do programa, há sempre uns 5 ou 10 que são bons: estão no You Tube, no sapo vídeos, têm os seus fãs. E depois: com aquele orçamento, com a necessidade de gravar tudo em dois dias..."
Regressa ao património histórico que Herman representa em Portugal: "Há momentos na história da televisão que devemos ao Herman". E protesta-lhe uma gratidão eterna: "Sem Herman não haveria Produções Fictícias como estas se tornaram. Ele sempre esteve connosco: deu-nos trabalho, deu-nos a mão. Estive, estou e estarei com ele."
Ser "autor individual"
Já vimos que Nuno teve um jantar sem negócios à mesa, e deu uma saltada à FNAC com os olhos e a atenção crítica na educação do gosto de João. E que o resto do tempo lho consomem os projectos da empresa.
Fique claro que nada disto constitui para ele um sacrifício. Que gosta mesmo da ideia de chamar pessoas que não se conhecem e com elas " tornar ideias reais". Que acha que esta proeminência pública de facto que ganhou, no grupo e na empresa, advém, por um lado, do facto de aparecer na televisão mais do que os outros (Gato Fedorento excluído) e, por outro, "se calhar", simplesmente porque é isto mesmo o que sabe fazer melhor. "Se calhar não sou muito bom a escrever" diz e rediz, em insistente autocrítica.
Conta, como quem programa o futuro: "Estou com muito gosto e prazer a fazer gestão disto, mas algures daqui para a frente, vou ganhar outra vez a possibilidade de me sentar a escrever - aquilo que gosto mais de fazer. Gostava que acontecesse antes dos 50 e de fazer uma coisa mais pessoal já este ano que vem."
Para isso, muito contribui uma relação "mais estável" que vive neste momento, no plano pessoal. Mas nada se fará - tem consciência - se as PF não forem entretanto divididas em departamentos autónomos, de modo a que os "pratos rodem", sem necessidade constante de impulsos exteriores.
No resto da sua vida - em cuja revelação pública não vai para além do mínimo: solteiro, um filho, namorada dinamarquesa a trabalhar num dos múltiplos projectos das Produções enquanto não arranja emprego em Portugal - assume causas políticas mas não partidárias. O que não o impediu de apoiar, por exemplo, nas últimas presidenciais, a candidatura de Mário Soares: "É a grande figura portuguesa da segunda metade do século XX Pessoa foi a da primeira metade."
Situa-se à esquerda, no espectro ideológico. Com importância crescente dada a questões de cidadania, ambientais e direitos humanos. Defende igualmente uma reforma profunda da justiça. Assaltam-no preocupações sociais, mais do que económicas. Uma manifesta simpatia por figuras como Ribeiro Telles, "que tem uma perspectiva de crescimento equilibrada".
Se a vida para ele acabasse amanhã, ficaria satisfeito caso o recordassem por "coisas" que fez como autor: "As aventuras de Filipe Seems, banda desenhada, três volumes, com António Jorge Gonçalves (ASA) - a obra "mais pessoal"; "um livro de poeminhas, coisa de nada" [As passagens do Tempo ] que saiu na Cotovia, em 2000. "Se calhar é nisso que estou mais; é onde acrescentei mais qualquer coisa."
Não se pense, contudo, que riscaria, da memória tumular, as Produções Fictícias. Pelo contrário: mostra com orgulho indisfarçado alguns dos 75 programas de poesia para televisão Voz, em que se empenhou dir-se-ia com paixão; e gostava, claramente, que na recordação dos que ficam permanecesse o resultado de certas colaborações mesmo pontuais, que deu na criação de personagens como Diácono dos Remédios - a extraordinária personagem em cuja concepção participou e a que viu Herman dar o fogo da genialidade, no momento da gravação do primeiro boneco. Aqui sim, puxa dos galões: " Em todos os projectos há coisinhas minhas, pontapés de saída, formatos, etc."
Regressa, na despedida, à ideia do homem do circo. E da necessidade de ter alguém que nas Produções continue a ajudar "a rodar os pratos todos".

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