Georges Dussaud

Crónicas Portuguesas - Retrospectiva de Georges Dussaud está no Centro Português de Fotografia, no Porto. É o olhar afectivo e humanista que este fotógrafo francês da agência Rapho tem lançado sobre o país ao longo das três últimas décadas. Por Sérgio C. Andrade

a Fotografa Portugal desde há um quarto de século. Trás-os-Montes, o Douro, o Minho, o Alentejo, mas também Lisboa e o mar. São estes os temas das Crónicas Portuguesas, a exposição retrospectiva do fotógrafo francês Georges Dussaud (n. Brou, Bretanha, 1934), patente na Cadeia da Relação/Centro Português de Fotografia (CPF), no Porto. Dussaud é um fotógrafo da histórica agência Rapho, criada em Paris em 1933 pelo húngaro Charles Rado, e refundada no pós-guerra (pela mesma altura em que Robert Capa e Henri Cartier-Bresson criavam a Magnum) num momento histórico em que o fotojornalismo se afirmava como um veículo privilegiado de comunicação. Com figuras como Robert Doisneau e Edouard Boubat, a Rapho envereda por uma fotografia de pendor humanista. É nesta linha que se radica também o trabalho de Dussaud, numa obra que tem tido Portugal, e as suas regiões mais rurais, como um dos temas mais recorrentes.
Desde a primeira viagem que fez ao nosso país no Verão de 1980, Georges Dussaud e a sua mulher Christine estabeleceram uma relação de forte empatia com as populações que visitavam e com quem iam partilhando o quotidiano. É essa empatia - que o fotógrafo, aliás, reivindica - que ressalta na centena e meia de fotografias que constituem a retrospectiva no CPF. A exposição deverá também dar origem a um livro-catálogo, que Dussaud espera poder vir lançar no Porto em Setembro. Nessa altura, promete também incluir esta cidade no seu port-folio afectivo sobre Portugal.

A sua exposição é um olhar de conjunto sobre Portugal. Como definiria esse olhar?É, primeiro que tudo, um olhar de simpatia (e de empatia) com a população de Portugal. Eu trabalho numa agência, a Rapho, que segue a vertente da fotografia humanista, como acontece com o Robert Doisneau ou o Edouard Boubat. Eu assumo essa orientação e essa filiação.
Mas a Rapho nasceu como uma agência de fotojornalismo. Como é que evoluiu para esta nova vertente?
Foi com o Doisneau e o Boubat, que trabalhavam para grandes revistas, e criaram uma espécie de escola de fotografia humanista, muito marcada pela empatia com as pessoas que fotografavam. É uma visão positiva do humanismo, contrária a uma fotografia documental mais agressiva, mais crítica. O nosso trabalho foi sempre mais comprometido com a afectividade. Eu pertenço a essa família.
Como é que ganhou esta empatia com o povo português? Olhando para as suas fotografias, vê-se que o alvo da sua objectiva é sempre o humano.
A relação com as pessoas faz parte da minha prática fotográfica. Eu trabalho com uma objectiva de 35 mm, quer dizer que, se quero fazer um retrato de alguém, tenho de estar perto dele. Preciso de procurar essa pessoa e estabelecer contacto com ela. Não me escondo atrás de uma teleobjectiva. Aproximo-me das pessoas. E isso é muito bom, porque possibilita a experiência do encontro. Faço fotografia de contacto, de afectividade com as pessoas. Em todos os temas e lugares que tenho fotografado, na Irlanda, na Grécia ou na Índia, trabalho assim.
No seu trabalho pelo mundo, que diferenças encontrou entre Portugal e esses outros países que tem fotografado?
Portugal tem algo de especial para nós, porque é o país que temos visitado mais vezes, onde permanecemos sempre mais tempo e onde experimentámos relações humanas mais afectuosas. Nos primeiros anos em que visitámos o país, e durante muito tempo, nunca nos alojámos em hotéis. No Barroso encontrámos uma mulher, Deolinda (bonito nome - a "Bela de Deus"), na pequena aldeia de Negrões, que nos ofereceu estadia logo da primeira vez. Era aí que dormíamos sempre que regressávamos, em condições extremamente rudimentares - eram as condições em que ela própria vivia, e que ela partilhava connosco. Era uma tal gentileza e calor humano que nos sentíamos muito bem, mesmo que no Inverno fosse desconfortável.
A sua primeira viagem a Portugal aconteceu em 1980, ao Alentejo...
Sim. Mas isso foi no Verão. Viemos em turismo, mesmo que viéssemos também para fotografar. Não conhecíamos o país. Trouxemos os nossos filhos para fazer campismo, e quisemos começar pelo Alentejo, não me lembro bem por que razão... Mas havia uma atracção pela costa marítima alentejana. E como tínhamos o hábito de viajar demoradamente, subimos até ao Norte, a Trás-os-Montes, que de todo não conhecíamos. Foi verdadeiramente maravilhoso. O ambiente, a arquitectura... com os muros de pedra e ainda as casas com telhados de colmo, como havia na Bretanha. Era tudo um pouco arcaico. Mas foi algo que nos fascinou. Pensámos logo que teríamos de regressar aí, e fizemo-lo logo no Inverno seguinte, para ver como era o ambiente desse lugar. É que no Verão as coisas são sempre embelezadas pelo calor, pela luz. Há sempre um lado mais fácil. E foi logo nessa primeira viagem no Inverno de 1981 que encontrámos essa mulher, que nos emprestou uma pequena casa sua. Desde aí regressámos duas, três vezes por ano, até ela ter morrido há meia dúzia de anos atrás.
Na sua exposição, a sala maior, e com mais fotografias, é a dedicada a Trás-os-Montes. Isso significa que é a região com que estabeleceram uma empatia maior?
Foi lá que estivemos e vivemos mais tempo. Muito por causa dessa relação com Deolinda. Mas também porque, verdadeiramente, ficámos fascinados por Trás-os-Montes. Pela sua vida e tradição comunitárias. Mas também pelos textos de Miguel Torga, que tivemos a oportunidade de conhecer pessoalmente. Ele interessou-se pelas minhas fotografias, e por um livro que eu tinha editado na altura.
Foi com Torga que conheceram depois o Douro...
Sim. Foi ele que nos encorajou a fotografar o Douro. Ele levou-nos a S. Leonardo de Galafura, e pôs-nos em contacto com um amigo que trabalhava com ele no hospital de Coimbra e que tinha uma quinta no Douro - o doutor Roseira -, e que nos acolheu para fazermos a primeira reportagem. É uma região extraordinária, também.
As suas fotografias retratam um mundo já um pouco distante da realidade actual, quase em vias de extinção.
Não creio. É claro que há uma mutação. Mas, no passado mês de Abril, passámos dez dias numa aldeia de Montalegre, no Barroso, Cambezes do Rio, e assistimos a cenas que se mantêm bem vivas. É evidente que há mudanças: as escolas fecharam, não há mais do que três crianças nessa aldeia..., mas há ainda pessoas que vão para o campo com os bois.
Sente-se que o mundo está a mudar, mas nesse lugar muda tão lentamente. Além de que a fotografia tem também uma função de memória. Um dos seus papéis importantes é registar a memória de um momento, de um tempo, e mostrar um mundo que está em mudança. A partir naturalmente da visão singular do fotógrafo. Somos testemunhas da mudança do mundo.
O seu trabalho pode ser considerado a expressão fotográfica da saudade?
Sem dúvida. É difícil, num mundo em mutação tão acelerada, não ter este género de pequena nostalgia. Perante um mundo que muda tão rapidamente e com o qual nós temos dificuldade em manter a harmonia. Tudo corre mais depressa do que a nossa capacidade para seguir esse movimento. Corremos um pouco atrás do tempo que passa.
No texto de apresentação da exposição no CPF, Maria do Carmo Serém classifica-o como um fotógrafo flaneur (que passeia à procura do acaso)...
Sim. Sou um fotógrafo disponível para captar todos os acidentes visuais, tudo aquilo que se nos apresente e que não prevíamos. As melhores fotografias surgem sempre a partir de aspectos completamente imprevistos. Temos de estar disponíveis.
Sei que tem o projecto de editar as suas Crónicas Portuguesas.
Sim. Na inauguração, a senhora ministra da Cultura, que se mostrou muito agradada com a exposição, prometeu-me que iriam fazer um catálogo. A ideia é que seja feito no Verão, e pensamos regressar em Setembro para o apresentar aqui.
Entretanto, vai continuar a viajar e a fotografar o mundo?
Sim. Tanto quanto as minhas forças o permitirem. No ano passado, fizemos uma longa viagem à Índia, e estivemos lá dois meses, em Karnaka, no sul.

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