Alessandro Zanardi, o piloto que não devia estar vivo

Em 2001, perdeu as duas pernas num terrível acidente. Em 2003, voltou às corridas. Passou agora pelo Porto para competir
no Mundial de Turismo

a Não era suposto Alessandro Zanardi ter disputado a etapa do Porto do Mundial de Turismo, em automobilismo, realizada este fim-de-semana. Em boa verdade, não era sequer suposto Zanardi estar vivo. Não depois do extraordinariamente grave acidente que o piloto italiano (nascido em Bolonha a 23/10/1966) sofreu em 2001, no circuito EuroSpeedway Lausitz, na Alemanha, que resultou na amputação das duas pernas. "A NASA teve que reescrever uma estatística que defendia que alguém que passou por aquilo tinha de morrer, não havia possibilidade. Eu nem sequer estava perto dos limites que eles diziam, eu estava muito para lá disso. Eu tinha de estar morto", disse o piloto ao PÚBLICO, recordando o incidente que alterou a sua vida. "A questão já era se é possível sobreviver com tamanha perda de sangue, mas eu ainda estive quase uma hora desde que saí do circuito até ser transportado ao hospital em Berlim..." Zanardi teve de ser reanimado sete vezes. "E tinha menos de um litro de sangue no corpo." O que o levou a "reclamar" o direito a passaporte alemão, pois, devido às transfusões, tinha mais sangue germânico do que italiano. Este humor, esta capacidade de brincar com ele próprio, com o que aconteceu, é um dos traços da sua personalidade, decisiva para se lançar numa recuperação milagrosa. "Estive uma semana cheio de dores, a pensar, no hospital: "Escapei à morte! Tudo o que vier a seguir é piece of cake"."
O que veio depois foi a delicada recuperação. "Aceitar a perda, pelo meu carácter, acabou por ser mais fácil. O mais difícil foi ultrapassar a parte técnica, a dificuldade de voltar a andar." Antigo piloto de Fórmula 1 e bicampeão na Fórmula CART, em menos de um ano já conseguia caminhar sem ajuda. Mas queria mais. Motivado pelas limitações das próteses, começou a trabalhar nelas, a modificá-las, a experimentar, a inventar soluções de leigo, para poder voltar a conduzir. Em 2003, voltou a fazer uma corrida. E, em 2004, conduzir já era novamente um emprego a tempo inteiro, na equipa BMW Italy-Spain. Com próteses especiais, com um carro especial. Até ganhou um par de vezes.
Antes do acidente, era muito conhecido; depois, tornou-se famoso. "Em Itália, só era conhecido pelos homens, agora também sou conhecido pelas donas de casa. De tanto aparecer nos talkshows da TV..." Mas não foi só em Itália. A sua história de superação correu o mundo. Apareceu em programas nos EUA, na Alemanha... Reconhece que a publicidade é importante para a BMW e para os patrocinadores, mas para ele é mais relevante a possibilidade de o seu caso poder servir de inspiração para as pessoas certas. "Não me vejo como um exemplo para as pessoas normais, mas acho que posso fazer alguma diferença para os outros, que estão numa situação semelhante à minha. Que digam: "Se ele conseguiu ganhar uma corrida sem as duas pernas, então eu, que tenho uma, posso pelo menos levantar-me da cama e ir à rua comprar maçãs"."
Regresso a Lausitz
O optimismo apagou a palavra "sacrifício" do seu dicionário. "Eu sou é um felizardo, por poder fazer aquilo que gosto." Gosta de competir, de conduzir. E não tem medo de voltar a acontecer-
-lhe algo parecido. Sentiu-se apenas um "bocadinho nervoso" quando voltou ao EuroSpeedway Lausitz para completar as 13 voltas que lhe faltaram em 2001. "Mas, depois de ligar o motor, foi tudo como dantes." Fisicamente, poderia não ser o mesmo, mas emocionalmente era. E não poupou no acelerador: o tempo dar-lhe-ia para sair da 5ª posição na corrida que se seguiu na mesma pista. Zanardi sabe que nunca será tão rápido como quando tinha pernas, mas continua competitivo (foi 16º e 15º nas duas corridas do Porto, é 15º no Mundial).
Não há amargura no italiano. "Estou agradecido pela minha vida. Por poder sem bom pai, bom marido e divertir-
-me com o que faço. E quando alguém diz que algo não é possível, eu digo: "Pense outra vez"." A lição, aqui, é que não há impossíveis. Afinal, é um milagre ele estar vivo.

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