Bruxelas diz que tributação automóvel em Portugal é ilegal

Comissão Europeia considera modelo de tributação automóvel português ilegal e ameaça levar o Estado a tribunal se nada for feito

a Portugal vai ter de alterar rapidamente a legislação fiscal de modo a retirar o montante do imposto automóvel (IA) do cálculo do IVA para os veículos automóveis, sob pena de ser confrontado com um processo no Tribunal de Justiça da UE.Este aviso foi ontem feito pela Comissão Europeia, que considera ilegal a inclusão do valor do IA, enquanto imposto de matrícula, no montante de um carro sujeito a IVA. "A Comissão considera que o imposto de matrícula não deve ser incluído nesse valor tributável", afirma.
Desta forma, Bruxelas lançou ontem a segunda fase de um "processo de infracção" ao direito comunitário contra Portugal, a última etapa antes da apresentação do caso aos juízes do Luxemburgo. Para evitar este passo, o país dispõe de um prazo de dois meses para se colocar em conformidade com a legislação europeia em matéria de base tributável do IVA.
O PÚBLICO contactou o gabinete do ministro das Finanças, mas obteve como única resposta: "Não comentamos, os comentários serão feitos em sede própria, ou seja, com a Comissão Europeia."
Novo imposto é ilegal
O aviso de Bruxelas refere-se ao modelo de tributação automóvel que esteve em vigor em Portugal até ao passado dia 30 de Junho. A partir de 1 de Julho, o IA foi substituído pelo Imposto sobre Veículos (ISV), mas o problema que existia anteriormente manteve-se. Ou seja, o IVA que é cobrado continua a incidir sobre o novo imposto de matrícula, o ISV.
A posição de Bruxelas baseia-se na jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE, que analisou o caso de um imposto dinamarquês considerado "quase idêntico" aos que vigoram em Portugal e na Polónia, cujo Governo foi igualmente ontem instado a alterar a legislação.
Os três países têm em comum o facto de praticarem "um imposto de prestação única que é devido no momento da aquisição do veículo a motor ou que constitui condição para que este possa ser colocado em circulação" no seu território, explica a Comissão. No caso dinamarquês, Bruxelas perguntou ao Tribunal "se, no fornecimento de meios de transporte, o valor tributável deve ou não incluir o imposto de matrícula" que o fornecedor paga ao fisco e recebe do comprador com o preço do automóvel.
Segundo o acórdão do Tribunal, num contrato de venda "que preveja que o distribuidor entregue um veículo já matriculado por um preço que englobe o imposto de matrícula que pagou antes da entrega do veículo, o montante desse imposto não pode ser incluído no valor tributável do IVA a aplicar à venda do veículo". Isto, explicam os juízes, porque o imposto de matrícula é devido pela matrícula de um carro e não pelo seu fornecimento. Mas também porque o dito imposto é pago pelo fornecedor do carro por conta do comprador.
Outros impostos
Numa decisão separada, mas igualmente no domínio da fiscalidade, a Comissão deu um novo prazo de dois meses para Portugal alterar algumas disposições antifraude - que considera "desproporcionadas" - da legislação relativa à circulação e detenção de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (óleos minerais, álcool, tabaco).
Segundo Bruxelas, as disposições em causa "introduzem um encargo para os operadores desproporcionado em relação ao objectivo pretendido".
Um dos problemas está no "documento administrativo de acompanhamento" que, segundo a legislação portuguesa, tem de ser enviado à autoridade aduaneira competente pelo menos seis horas antes da saída dos produtos sujeitos aos impostos especiais de consumo dos respectivos entrepostos.
Para a Comissão, esta disposição prejudica o bom funcionamento do mercado interno "e não é justificável como um meio necessário para evitar a fraude fiscal, dado que os seus resultados são claramente desproporcionados em relação ao objectivo".
O segundo problema tem a ver com a obrigação que é imposta aos depositários de constituir uma garantia ligada à detenção do mesmo tipo de produtos, equivalente, em regra, a dois por cento do montante mensal médio do montante pago no ano anterior a título dos impostos especiais sobre o consumo. Esta garantia é "desproporcionada e poderá constituir um verdadeiro obstáculo para os operadores que pretendam entrar no mercado português", conclui Bruxelas.
a A decisão da Comissão Europeia foi recebida ontem com agrado pelas associações representativas do comércio automóvel. A Associação do Comércio Automóvel de Portugal (ACAP) já fez saber que vai entregar ao Governo um parecer sobre esta matéria que segue o mesmo entendimento de Bruxelas e garante que "diligenciará, igualmente, junto do ministério, para que não se repercuta uma eventual perda de receitas decorrente desta medida na já elevada carga fiscal incidente sobre o automóvel em Portugal". A ACAP lembra ainda que a recomendação da Comissão "vem ao encontro das posições que tem tomado ao longo dos últimos dez anos ao denunciar a incidência do IVA sobre o imposto de matrícula".
Já Associação Nacional de Comércio e Reparação Automóvel também aplaude a decisão de Bruxelas e o seu presidente, Ferreira Nunes, lembra que, "depois do que aconteceu na Dinamarca, fizemos saber junto das autoridades que Portugal estava nas mesmas condições, mas Portugal preferiu que fosse o tribunal a tomar uma decisão". V.C.
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Este seria o valor a menos que se pagaria por um Renault Clio 1.2 16 V, caso o IVA não incidisse sobre o imposto de matrícula

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