Loja das Meias fecha portas no Rossio ao fim de mais de cem anos

Falta de clientela endinheirada é o motivo alegado pelos proprietários. Local poderá vir a ser ocupado pela Benetton

Pequeno destaque em caixa com fundo que tambem pode servir de legenda para a fotografia do lado esquerdo A Loja das Meias faz a ex-vereadora Maria José Nogueira Pinto lembrar-se da altura em que tinha uma micro-saia de vinil amarelo a que faltava, para compor a toilette, um par de botas de cano muito alto. Estava-se no final dos anos 60. "Só havia na Loja das Meias, mas eram caríssimas", recorda. Solução? Como a irmã Assunção também calçava o 35, foram à casa e cada uma comprou uma bota. "Calçávamo-las à vez", relata Zezinha, que no mandato que agora termina foi responsável pela encomenda do plano de revitalização da Baixa-Chiado. O documento encalhou na Assembleia Municipal, que o considerou demasiado dispendioso. "Na Baixa estamos a chegar a um momento de não retorno. Faz-me imensa pena", comenta. "Se este projecto tivesse avançado, provavelmente a Loja das Meias não teria perdido a esperança."
a A famosa Loja das Meias do Rossio, em Lisboa, fecha para sempre as portas no final de Agosto. Fundada há mais de um século, não resistiu ao enfraquecimento do poder de compra dos frequentadores da Baixa. Os clientes endinheirados já não vêm a esta zona da cidade, explica um dos donos da Loja das Meias, Pedro Miguel Costa, bisneto do fundador do estabelecimento. A centenária casa será substituída por uma loja monomarca, possivelmente da Benetton. Muitos lamentam o sucedido e há quem chame a atenção para o significado deste encerramento: o declínio do comércio da Baixa.
"Durante três ou quatro anos ainda tentámos adaptar-nos ao mercado da Baixa", conta Pedro Miguel Costa. "Desde Novembro que estávamos a trabalhar em outlet", ou seja, com restos de colecção. Mas esta estratégia terá tido efeitos negativos: "Quem via a loja do Rossio pensava que as restantes também tinham ficado assim e os nossos clientes habituais mostravam desagrado." As prioridades da marca vão agora para Luanda - onde deverá abrir um estabelecimento ainda este mês - e para o Porto, onde Pedro Miguel Costa anda à procura de um espaço. Não está prevista nenhuma nova loja para Lisboa, cidade na qual a Loja das Meias passa a ficar representada apenas em dois centros comerciais.
"A Baixa tem sido maltratada por muitas entidades, quer camarárias quer do Estado. E a falta de estratégia e de planeamento pagam-se", admite o dono da Loja das Meias, sem se atrever a inscrever o fecho da casa do seu bisavô no rol das vítimas da incúria. Há, no entanto, quem o diga, preto no branco. É o caso de Vasco de Mello, dirigente da União de Associações do Comércio e Serviços de Lisboa: "Se a Loja das Meias sai do Rossio, a culpa é de todas as vereações que passaram pela Câmara de Lisboa nos últimos 20 anos. Nós, comerciantes, tudo temos feito para aguentar até ao limite."
Boato chinês
E o que falta então? O presidente da Associação de Dinamização da Baixa, José Quadros, enumera as necessidades: limpeza das ruas e dos graffiti das paredes, iluminação, policiamento. Mas embora lamente a saída da Loja das Meias saúda o aparecimento de um novo estabelecimento no seu lugar que não corresponde aos piores temores. É que correu o boato de que tinham sido "os chineses" a comprar o espaço, para ali fazerem mais um armazém de produtos baratos. José Quadros diz que o desaparecimento da casa centenária é apenas um "sinal normal de renovação", que terá novo episódio quando, daqui a algum tempo, surgir uma casa de chocolates austríacos numa das transversais da Baixa. Contudo, há quem fale na irreversibilidade do declínio daquela que já foi a principal zona de compras da cidade. "As pessoas desabituaram-se da Baixa, o que é catastrófico", considera o dono da Loja das Meias. A ex-vereadora Maria José Nogueira Pinto tem opinião idêntica (ver caixa).
"Lamento muito o encerramento da Loja das Meias do Rossio", observa o presidente da Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa, Pedro Roseta. "É uma má notícia", diz também o presidente da Junta de Freguesia de S. Nicolau, António Manuel, que critica a descaracterização de muito do seu comércio e fala da urgência da sua adaptação às novas necessidades, nomeadamente a nível de horários de abertura e fecho.
A caixa registadora não tem tido descanso nos últimos dias. A casa está em liquidação total, com descontos até 70 por cento e há gente como há muito não se via. A secção de cosmética é das mais disputadas, com as clientes a insistirem em levar até as amostras."Senhora arquitecta compre o páreo, que é tão giro e está tão barato", diz uma empregada. E a senhora arquitecta, a quem a idade já roubou muitas formas, pega no trapo verde berrante e vai-se embora satisfeita. Pode não ter outra oportunidade.

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