Torne-se perito

José Sócrates no Kremlin para "descongelar" relações

O primeiro-ministro português teve ontem um encontro com o seu homólo russo que alguns diplomatas classificaram como duro

a Ontem foi o dia dos actos simbólicos e do reforço das relações bilaterais. Hoje é o dia da política a sério, quando o primeiro-ministro português e o Presidente russo se encontarem no Kremlin. Primeiro, num encontro a sós, que será alargados às delegações, seguido de uma conferência de imprensa e de um almoço. Vladimir Putin acaba de regressar de duas visitas à Áustria e ao Luxemburgo, que seguiram o mesmo padrão: se as relações económicas são excelentes e os negócios prosperam, os diferendos políticos permanecem. José Sócrates quer desbravar terreno para o desanuviamento das relações entre a União Europeia e a Rússia, depois do fracasso da cimeira de Samara, no passado dia 18. Mesmo que a diplomacia portuguesa insista em que o primeiro-ministro português está em Moscovo apenas nessa qualidade, as questões europeias estarão em cima da mesa, já na perspetiva da presidência portuguesa da UE.
Ontem, num dia alucinante, o primeiro-ministro teve já uma antecipação das dificuldades que o esperam, durante o encontro que manteve com o seu homólogo da Federação russa. Na reunião, que durou pouco mais de uma hora na Casa Branca, a sede do governo russo, Mikhail Fradkov resfirmou as posições e as reivindicações de Moscovo de uma forma que vários diplomatas portugueses não hesitaram em classificar de "dura". E que se pode resumir assim: temos o nosso lugar no mundo, sabemos a nossa força, deixámos de ser pressionáveis.
Da parte portuguesa, houve a mesma mensagem de "boa vontade" e de disponibilidade para ajudar a superar os obstáculos que levaram as relações políticas entre a Europa e a Rússia ao seu ponto mais baixo no pós-guerra fria. Portugal, como aliás a maioria dos seus parceiros europeus, mantém-se fiel à ideia de que uma parceria estratégica com a Rússia é do interesse vital da Europa. Sócrates insistiu junto do seu homólogo que a Rússia é um país europeu fundamental para a paz e a segurança na Europa e no mundo.
Depois de Samara, o lado europeu está à espera que seja Moscovo a dar o primeiro sinal de boa vontade, nomeadamente quanto à principal questão que está a impedir o início das negociações de um novo acordo de parceria e cooperação, para renovar o que foi assinado pelas duas partes há dez anos: o embargo russo à carne polaca. A UE entende que não há qualquer fundamento para a teimosia de Moscovo e que se trata de uma prova de força para tentar dividir os europeus entre os "velhos" e os "novos" países, que já foram parte do Pacto de Varsóvia. Esse sinal ainda não foi dado. As coisas estão, pois, num impasse.
Sócrates, que está a ser recebido em Moscovo com passadeira vermelha, tem hoje um exercício delicado pela frente: dar sinais de abertura e de compreensão sem pôr em causa as linhas vermelhas fixadas pela chanceler Angela Merkel e pelo presidente da Comissão em Samara. A próxima cimeira UE-Rússia terá lugar no mês Outubro, em Mafra, durante a presidência portuguesa. Nem Lisboa nem Bruxelas gostariam de presidir à repetição de um fracasso. A questão é saber até que ponto Putin se vai manter inflexível na sua estratégia de afirmação da força da Rússia.
Da audiência do Presidente russo ao primeiro-ministro português, no Kremlin, não há pois que esperar novidades, a não ser um melhor conhecimento mútuo importante para o que Portugal terá que fazer neste domínio nos próximos meses.
O PÚBLICO viajou em avião fretado pelo Gabinete do Primeiro-Ministro

Teixeira dos Santos revelou que um dos acordos a celebrar visa o pagamento da dívida russa a Portugal
a Portugal e a Rússia assinam hoje no Kremlin os dois únicos acordos previstos para a visita de dois dias do primeiro-ministro a Moscovo, que ontem decorreu sobre o signo das relações bilaterais e que teve o mercado russo como o principal protagonista.
Um dos acordos, conforme explicou o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, visa o pagamento anticipado da dívida russa a Portugal (no montante de 83,5 milhões de euros) até 20 de Agosto, e também a abertura de uma linha de crédito recíproca para apoiar as relações comerciais entre os dois países. A linha de crédito para aopoio das exportações portuguesas será financiada pela CGD num valor de 200 milhões de euros. Falta ainda fixar o montante russo. O segundo é um memorando de entendimento para a cooperação em matéria judicial, que inclui a cooperação no combate ao crime organizado, à formação de magistrado e aos direitos humanos.
Mas o dia de ontem teve na frente económica os seus objectivos mais importantes. O Governo português sublinha que, apesar das boas relações políticas entre os dois países, as relações económicas ainda se situam a nível bastante baixo, apesar do crescimento exponencial das exportações portuguesas. O primeiro-ministro ofereceu um almoço com alguns dos principais decisores económicos russos, com o objectivo de os sensibilizar para o interesse em reforçar as relações económicas com Portugal. A tónica foi posta no turismo, mas tamém na energia. A ideia é oferecer Sines como uma plataforma importante para as gigantescas empresas de gás e petróleo russas, sobretudo nas suas relações com os mercados africanos e americanos. Alexei Kruglov, vice-presidente da Gazprom, manifestou a sua intenção de entrar a prazo no mercado ibérico no fornecimento de energia, confirmando a estratégia de penetração nos mercados europeus (já tem posições em 16 dos 27 países da UE) no sector da produção e distribuição. Fontes governamentais admitiram a possibilidade de uma eventual participação na Galp.
O dia terminou com uma mostra do que há de melhor em Portugal em matéria de empresas de novas tecnologias ("Portugal, mais do que Imagina"). Sócrates lembrou que a visita à Rússia é mais um passo na aposta nas grandes economias emergentes, que registam taxas de crescimento impressionantes e abrem perspectivas que nenhuma economia europeia se pode dar ao luxo de ignorar. T. de S.

Quase 100 quilómetros por uma auto-estrada propositadamente deserta para deixar passar a comitiva de Sócrates em direcção a Ramenskoe, um aeroporto de teste de aviões, e aí contemplar o modelo do helicóptero Kamove, tendo o Estado português comprado seis para combater os incêndios. Cerimónia breve para ouvir descrever as características dos aparelhos. Para constatar também que os prazos das entregas ainda não estão imunes a derrapagens, embora a empresa portuguesa responsável pelo negócio mantenha a promessa de que os dois primeiros serão entregues em Junho, prevendo-se mais duas entregas em Julho e Agosto.

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