Jornalismo de sarjeta

Para justificar a "Entidade" e os poderes da "Comissão de Carteira", o ministro Santos Silva andou por aí a bramir contra o que ele chama "jornalismo da sarjeta". "Jornalismo de sarjeta" é a tradução literal da expressão inglesa gutter press, o que estaria muito bem se em Portugal existisse ou, pelo menos, tivesse existido, uma verdadeira gutter press. Mas nunca existiu. Segundo o dicionário, o que define a gutter press é a sua extrema vulgaridade e baixeza. Por outras palavras, o interesse pelo crime (quanto mais sórdido melhor), pela vida íntima das celebridades (mesmo de ocasião) e por qualquer escândalo que meta sexo e dinheiro, de preferência com algum horror à mistura. Manifestamente, o ministro Santos Silva não conhece a gutter press inglesa ou americana (que, de resto, em geral não se distingue por ser difamatória) e fala em "jornalismo de sarjeta" para agredir e promover o descrédito do jornalismo de que ele não gosta.Há duas faces nesta questão do "jornalismo de sarjeta". A primeira é a de saber se o Estado o deve reprimir ou permitir, porque a repressão do "jornalismo de sarjeta" quase sempre degenera em repressão do jornalismo tout court. Em Inglaterra e na América, o Estado e o poder judicial toleram a "sarjeta" em nome da liberdade. Os países de tradição autoritária fazem o contrário e acabam invariavelmente por limitar a liberdade: o ministro Santos Silva pertence a esta escola. A outra face da questão é a de que, com ou sem fundamento (neste caso, sem), as diatribes do Governo (ou de um indivíduo que o representa) criam por si só um clima de intolerância e de intimidação que alastra pela sociedade inteira e se torna um convite ao fanatismo.

Um exemplo. Esta semana Marçal Grilo publicou aqui uma lista das coisas de que lhe "apetece dizer bem". A lista, sem pés nem cabeça, parece inócua. Infelizmente não é. O dr. Grilo não quer "dizer bem", quer "dizer mal". Quer "dizer mal", e muito "mal", da televisão, da imprensa, dos políticos, dos jornalistas, disto, daquilo e de uma categoria de opinion makers que, por pura psicopatia, "despreza" a pátria e a "zurze", coitadinha dela, para se "colocar na História". O dr. Grilo andava a rebentar de ódio. Mas tinha uma rolha. Veio de repente o ministro Santos Silva e tirou a rolha ao dr. Grilo: o resultado não se recomenda. É ao que leva a conversa sobre o "jornalismo de sarjeta". Não faltam por aí polícias. Basta dar o sinal.

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