As jogadoras não dão beijos

a Boys will be boys, rapazes serão rapazes. A morena e corpulenta Marion Bartoli é a mais bem cotada jogadora feminina no Estoril Open (23.ª no ranking da WTA, logo a seguir a Venus Williams) mas ela passa sem que ninguém lhe peça um autógrafo. Não é por ela que estão ali, à espera, é pela russa Maria Kirilenko, loira e ninfeta. Maria não está de bom humor: acaba de perder (com Bartoli) num jogo de pares, mas isso agora não vem ao caso. Não é por isso que eles estão ali, à espera. É porquê? "É jeitozita", diz o adolescente, sem tirar os olhos do saco de pipocas que vai comendo. É melhor não lhe perguntar o nome - melhor para ele, entenda-se. A sessão de autógrafos estava prevista antes do jogo, Kirilenko não tem escolha. Está sentada na pequena tenda da Yonex, marca de raquetas, qualquer admirador (são só admiradores, não há admiradoras) pode tirar uma fotografia com ela. Porque o jogo atrasou consideravelmente (nem sequer tinha começado à hora que estava previsto acabar) e porque, no fim, Kirilenko foi ao balneário arranjar o seu melhor sorriso (aquele que perdera com o resultado do jogo), já só restavam três adolescentes.
Os primeiros minutos foram algo embaraçosos, com o representante da Yonex a perguntar às crianças e adolescentes que passavam se queriam um autógrafo de Kirilenko. Poucas responderam ao repto ("Nem sabem quem é a Kirilenko...", desabafava o anfitrião) mas, num instante, um grupo de apanha-bolas pôs-se em frente da tenda como se estivesse frente a uma barraca de jogos numa feira. "Vou lá e dou-lhe um beijo", disse um. E foi. Kirilenko espantou-se, o relações públicas da WTA (a liga feminina do ténis profissional) repreendeu-o cortesmente. No fim, o representante da Yonex também tentou a sorte. "Posso dar-lhe um beijo?" Respondeu-lhe o R.P. da WTA: "Players don"t do that", "as jogadoras não fazem isso".
É que homens também serão rapazes aqui. Aqui é a maior concentração de mini-mini-saias, cortesia do uniforme tenístico feminino, entre jogadoras e tudo o que é rapariga no Estoril Open, da organização aos stands dos patrocinadores. Pernas para que vos quero. Há muitas cabeças masculinas em rotação, a virarem-se para trás. A silly season antes da silly season. A frase do cartaz publicitário desta edição do Estoril Open é: "Top ten, top spin e muitas top models." A única vez que, até agora, a imprensa desportiva destacou a prova feminina do Estoril Open, foi para abordar a beleza das tenistas.
A russa Olga Poutchkova, 19 anos, tem a face rosada porque acaba de bater a compatriota Rodionova num taco-a-taco renhido. Loira e de olhos azuis, fala como uma adolescente americana (com a mesma velocidade e os mesmos códigos de linguagem): tem vivido boa parte da sua vida nos Estados Unidos treinando ténis, agora está baseada em Toronto, no Canadá. Assinou contrato com a agência de modelos Elite em Nova Iorque, posou para revistas adolescentes. Houve um tempo, tinha ela 14 anos - em que teve de escolher entre ser modelo ou tenista a tempo inteiro. Escolheu o ténis porque podia "viajar bastante como quando se é modelo e porque é mais divertido". "E se fizeres as coisas direitinho podes trabalhar um pouco como modelo."
Tânia Couto, 35 anos, foi campeã nacional de ténis feminino em 1989, retirou-se por causa de uma lesão e é hoje comentadora de jogos para a Sport TV. Jogou ténis quando o ténis ainda não tinha sido invadido por uma vaga de Leste - quando não havia sobre as tenistas o peso das expectativas de que têm de ter um corpo-modelo (ou um corpo de modelo). As grandes jogadoras à época? "Steffi Graf, a Zina Garrino... a Martina Hingis estava a começar bem como as irmãs Williams, Conchita Martinez, Arantxa Sanchez-Vicario." Ri-se: "Um leque de jogadoras muito feias." Era o tempo em que "as jogadoras valiam pelo seu ténis, ponto final".
Mas depois de Anna Kournikova tudo mudou. A russa "nunca ganhou nenhum torneio mas, no entanto, era gira", nota a tenista Kátia Rodrigues. O ténis feminino deu nas vistas e não há mal nenhum nisso, defendem as portuguesas. O ténis, ao que parece, agradece toda a atenção e mediatismo que lhe possam dar.
O que há menos no Estoril Open são treinadoras femininas, como um passeio pelos courts de treino confirma. A alemã Ingrid Schruff é uma agulha num palheiro e, ainda assim, ela não é a treinadora oficial da filha Julia. O marido, Gerhard Scruff, é que é. Ela é a "show coach", como diz, limita-se a acompanhar a filha nas provas. É mais do que comum as jovens tenistas terem o próprio pai como treinador: é o que acontece com Kirilenko ou Bartoli ou a portuguesa Michelle Brito, por exemplo. Conhece alguma mulher que treine um tenista? "Não, não me parece que seja possível", responde Ingrid no seu sotaque germânico. "Se é mãe, porventura poderá treinar o filho [como a mãe do ex-número um mundial Jimmy Connors]. De outro modo, não estou a ver..."
Tânia Couto nunca pensou ser treinadora? "Para uma mulher, ser treinadora a sério é muito mais complicado. Porque deixar o marido e os filhos em casa é mais complicado."

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