O princípio do fim dos Sopranos

Tony Soprano vai morrer ou não? É o que todos querem saber no fim da sexta e última série de Os Sopranos, que hoje estreia nos EUA. Foi esta série que inaugurou uma nova era da ficção televisiva

a Hoje é o primeiro dia do fim da vida de uma das melhores séries de televisão de sempre. A HBO, canal de cabo pago norte-americano, estreia hoje a segunda parte da sexta e última série de Os Sopranos. Até ao fim, são nove episódios que têm (ou não) de desatar todos os nós, resolver todas as querelas e desenhar o destino de Tony Soprano, o mafioso fictício mais famoso do mundo depois de Vito Corleone. Ele vai morrer ou não?Num primeiro olhar sobre Os Sopranos, pensa-se que é sobre uma das importações italianas favoritas dos americanos, na versão romantizada: não é sobre pizza, é sobre a máfia. Mas qualquer um dos envolvidos nas seis temporadas de Os Sopranos, de James Gandolfini (Tony Soprano) a David Chase (o criador da série), esclarece que este não é um fresco sobre uma família de mafiosos.
É o roteiro do percurso de um homem de meia-idade em crise com a sua profissão e as exigências que ela apresenta (subir na escada da famiglia, mais responsabilidades, mais mortes, nenhuma fraqueza), com uma família (dois adolescentes, uma mulher de armas, casos, traições e escapadelas) e com um peso que só Freud explica. Afinal Tony Soprano tem uma fraqueza. Ele tem ataques de ansiedade e crises de pânico e, claro, vai parar ao psiquiatra (uma mulher). Há coisa mais americana (e classe média) do que isto?
Em Junho os espectadores saberão, afinal, o que acontece a Tony Soprano, o líder da família DiMeo, e quem vence entre as famílias de Nova Iorque. No fim da primeira parte desta sexta série, já exibida pela RTP2 (que ainda não tem data para a estreia dos novos episódios), Tony Soprano estava à beira de uma guerra aberta com outra família do crime.
Hoje à noite, nos EUA (e provavelmente, horas depois na Internet), é em torno da família que vai girar o primeiro dos nove derradeiros episódios. Passamos um fim-de-semana com Tony e a mulher Carmela (Edie Falco) e os cunhados Bobby Bacala (Steven Schirripa) e Janice Soprano (Aida Turturro). O aparente idílio da situação é suplantado pela brutalidade do segundo episódio, e, segundo os críticos, o caminho até ao fim será devidamente acidentado.
Não que David Chase, o criador da série, revele grande coisa. É conhecido pelo sigilo e por selar, na era da Internet, as cenas dos próximos capítulos.
Woke up this morning...
Lawrence Konner, amigo de Chase, escreveu três episódios de Os Sopranos, explicou no artigo de capa que a edição de Abril da revista Vanity Fair dedicou à série. "O que motiva a série, e o David, é que ele não gosta do mundo tal como o vê. Ele descarrega muitas das suas frustrações ao deixar estas personagens perder as estribeiras sem um super-ego, sem um sentido de responsabilidade, porque ele quer - e porque, de certa maneira, todos nós queremos."
Esta é uma série crua, violenta e ao mesmo tempo genuína e cómica. Claro que gerou anticorpos. O presidente da NBC escreveu uma carta sobre o teor violento de Os Sopranos. A Fundação Nacional Italo-Americana insurgiu-se contra a série pelo retrato pouco favorável que faz dos italianos nos EUA. Pelos mesmos motivos, mas relativos à imagem da cidade, o autarca de New Jersey tentou impedir filmagens desta última temporada, sem sucesso.
Tumultuosa como a personagem principal e a sua vida de suborno, mortes, negócios escuros, strippers, psiquiatras e adolescentes, a série nunca teve verdadeiros períodos de bonança. No fim da quarta temporada, David Chase chegou mesmo a ponderar em abandonar tudo e, literalmente, ir plantar tomates.
É que a série é sobre homens normais e alimenta-se de diatribes que, para Chase, são um desafio esgotante. "Nós não resolvemos um crime todas as semanas, nem fazemos uma cirurgia. E por isso é difícil levá-los (aos protagonistas) a sítios novos sem nos limitarmos a repetirmo-nos." Mas o facto é que Os Sopranos foram ousadamente a lugares onde poucos outros tinham ido na televisão.
Televisão como arte
Comparada com o tríptico O Padrinho, de Coppola, a Goodfellas e aos Cavaleiros do Asfalto, de Scorcese, e até às obras de Rainer Fassbinder, a família de New Jersey conseguiu o que nenhuma outra fez: chegar aos museus. Em 2001, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) exibiu as duas primeiras temporadas da série, juntamente com filmes que determinaram os ambientes e as temáticas de Os Sopranos.
Laurence Kardish, o curador de cinema do MoMA, classificou-a como "um olhar cínico, mas profundamente sentido, sobre este homem de família particular" e elogia o trabalho da equipa que criou "uma série que se distingue pelo seu humor seco e uma perspectiva discreta, excêntrica e acutilante - que não se vê habitualmente na televisão".
A Vanity Fair chama-lhe "uma das obras-primas da cultura popular norte-americana". Os críticos adoram-na, os cineastas também e até o mundo literário a elogia. O escritor Norman Mailer diz que Os Sopranos conseguem tocar o interior "de muitos aspectos da cultura americana", tirando-lhe o retrato como faz a melhor literatura.
Hora H da HBO
Em 1999, duas novas séries apareciam na HBO: primeiro Sexo e a Cidade e, meses depois, Os Sopranos. A segunda foi um êxito desde o primeiro episódio, ao contrário de Sexo e a Cidade, e hoje valerão, com a venda de direitos de exibição para o estrangeiro e outros canais americanos, mais DVD, várias centenas de milhões de euros.
Com Os Sopranos, a HBO cresceu. Um pequeno canal de cabo pago, só disponível por assinatura, tornou-se o fenómeno televisivo da viragem do século e pavimentou um caminho para a ficção que é hoje percorrido pelas grandes cadeias de TV norte-americanas. Perdidos, 24 e mesmo outros canais de cabo como o FX ou o Showtime provavelmente não teriam existido se não fosse a via alternativa HBO, em que se pode dizer palavrões, falar de morte e mostrar sexo (gay e hetero) como se não houvesse uma tal de moral majority ao leme das autoridades que fiscalizam os média americanos.
Os Sopranos foram os pioneiros e chamaram outros a correr os mesmos riscos. O crítico de televisão da revista Newsweek, David Gordon, comenta que os canais generalistas americanos "se aperceberam rapidamente" de que Os Sopranos "eram o futuro" para responder às necessidades de "espectadores mais espertos". E, acrescenta Brad Grey, presidente da Paramount e antigo produtor executivo dos Sopranos na Variety, hoje há séries de uma hora nos generalistas "que forçam os limites de todas as maneiras".
Mas o que resta na HBO depois dos Sopranos, de Sexo e a Cidade, de Sete Palmos de Terra? A 10 de Junho, quando passar a última cena dos Sopranos, segue-se - uma nova aposta, John from Cincinnati. O objectivo é tentar secundar os êxitos - nunca à escala Sopranos - de Big Love, Vidas em Hollywood ou A Escuta, todos disponíveis em Portugal apenas no mercado de DVD. Os Sopranos são a última série em exibição de um conjunto que inaugurou uma nova era da ficção televisiva. A sua partida deixa o mercado a suster a respiração.

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