Torne-se perito

A escola que transforma escritores bons em escritores geniais

Qual é o segredo do prestígio do Iowa Writers" Workshop? Os seus licenciados conseguem publicar as obras nas melhores editoras, têm a atenção dos jornais mais influentes e a maior parte das vezes acabam com um prémio Pulitzer na mão

a Será que se ensina um mau escritor a ser bom escritor? Não. Mas há uma maneira eficiente para um escritor (com talento) alcançar algum sucesso nos EUA: ser aceite pelo Iowa Writers"s Workshop. O mais famoso curso de Escrita Criativa norte-americano. Ali se licenciaram Wallace Stegner, Flannery O"Connor, John Irving, W.P. Kinsella, Jane Smiley, Michael Cunningham, Marvin Bell, T.C. Boyle, Nathan Englander, etc. E da lista de antigos membros da faculdade fazem parte Kurt Vonnegut, John Cheever, Philip Roth, Francine Prose, Raymond Carver.
O Iowa Writers" Workshop (IWW) existe há 70 anos e foi a primeira licenciatura em Escrita Criativa a nascer numa universidade norte-americana. Ao fim deste tempo continua a ser a "mais conhecida e a mais prestigiante", explica por e-mail Winston F. Barclay, assessor para a imprensa.
Muitos dos cursos de Escrita Criativa que surgiram entretanto em outras universidades do país (existem cerca de 300) foram desenvolvidos por antigos alunos de Iowa. Parte do segredo do sucesso do IWW pode estar na selecção. Só entram os que já são muito bons. Winston Barclay diz mesmo que este programa de licenciatura é um dos mais selectivos do país - e não está a falar só de cursos de Escrita Criativa (há quem diga que é equivalente a tentar entrar em Harvard no curso de Direito) - porque só são aceites cerca de 5 por cento das pessoas que a ele concorrem. "Os estudantes são admitidos com base na avaliação que a faculdade faz de um manuscrito que o candidato envia (lidar com o enorme volume de manuscritos é um dos maiores desafios da faculdade!)", conta.
O Iowa Writers" Workshop tem actualmente 100 alunos - 50 poetas e 50 escritores de ficção. Estão lá para aprender literatura, para escrever e melhorar a escrita ao ouvir as críticas dos professores e colegas. Como se fossem uma pequena comunidade, uma família. "Como o programa do Master of Fine Arts demora dois anos, metade destes alunos são do primeiro ano e outra metade do segundo. Alguns dos estudantes frequentam mais do que um programa de escrita na Universidade de Iowa", explica Winston F. Barclay. São actualmente professores na área da ficção Ethan Canin, James Alan McPherson (prémio Pulitzer 1977), Marilynne Robinson (Pulitzer 2005 com Gilead e Housekeeping, considerado pelo The New York Times um dos 100 melhores romances do século). Na área da poesia ensinam James Galvin, Mark Levine, Cole Swensen e Dean Young. Há visitas de escritores convidados e a faculdade criou o International Writing Program para escritores estrangeiros.
Pode-se ensinar a escrever?
T. C. Boyle, autor premiado com o Pen/Faulkner Award for Fiction e professor universitário, formou-se no Iowa Writers"s Workshop nos anos 70. Quando lhe perguntámos por e-mail por que é que tinha escolhido ir para lá, respondeu: "Na altura, tal como agora, continua a ser o melhor curso de escrita criativa no mundo!". Para quem quiser saber o quanto foi realmente importante para T. C. Boyle frequentar o workshop ele aconselha a que se leia no seu site (tcboyle.com) o ensaio This Monkey, My Back. (Cliquem em Author e procurem no final da página). Aí conta como eram as aulas de Vance Bourjaily, o seu mentor, e o apoio que recebeu de John Cheever, John Irving (antigo aluno de Vance) e Raymond Carver (fala também das farras e bebedeiras). Naquele sítio T. C. Boyle sentiu que, apesar de tudo por que tinha passado, era um escritor: não só o era no pequeno mundo de onde vinha, mas também o estava a conseguir ser no Grande Mundo do Iowa Writers" Workshop.
A escritora Francine Prose, que foi lá professora, coloca no seu livro Reading Like a Writer (ed. HarperCollins) a seguinte questão: "Pode a escrita criativa ser ensinada? É uma questão pertinente, mas, apesar das inúmeras vezes que me perguntaram isto, nunca soube muito bem o que responder. Porque se o que as pessoas estão a querer perguntar é: "Pode o amor pela linguagem ser ensinado? Pode o talento para se contar uma história ser ensinado?", então a resposta é não."
Na sua opinião, a criatividade não pode ser transmitida de professor para aluno. Mas um bom professor pode ensinar um aluno a editar o seu trabalho: reescrever, cortar e melhorar o texto. O facto de nos workshops de Escrita Criativa se ouvirem críticas ao nosso trabalho feitas por colegas também é positivo, escreve Prose neste livro, porque é o primeiro contacto que o futuro escritor tem com leitores. Mas Prose adverte: "Imaginem Milton enfiado num curso de licenciatura para o ajudar com o seu Paraíso Perdido ou Kafka a aguentar um seminário em que os colegas lhe dizem que francamente não acham plausível aquela parte em que um tipo acorda de manhã e descobre que é uma barata gigante."
É também por isto que Winston F. Barclay nos diz que "um programa de licenciatura em Escrita não é o sítio certo para todos os escritores, e não há nenhum programa que seja considerado o melhor por todos. Mas o Iowa Writers" Workshop é uma história de sucesso que se gera a si mesmo: como muitos dos melhores escritores emergiram daqui, muitos dos jovens escritores querem vir para aqui. E assim vai continuando."
Pois é. Não ficarão surpreendidos ao saber que na lista dos melhores jovens romancistas americanos da actualidade seleccionados e divulgados a 5 de Março, pela revista britânica Granta estão quatro alumni dos cursos de Escrita Criativa da Universidade de Iowa. Daniel Alarcón, Kevin Brockmeier, Yiyun Li e ZZ Packer. Os quatro são licenciados pelo Iowa Writers" Workshop e Li é Master of Fine Arts do curso de não-ficção da mesma universidade. Na lista dos 21 Best Young American Novelists 2007, todos com menos de 35 anos, aparecem também Jonathan Safran Foer, Nicole Krauss, Uzodinma Iweala e Akhil Sharma. Em 1996, a Granta respondeu à mesma pergunta - "Quem são os melhores jovens romancistas nos EUA?" - e nessa altura seleccionou 20 romancistas, entre os quais estavam Jeffrey Eugenides, Jonathan Franzen e Lorrie Moore. Hoje não se pode falar em literatura norte-americana contemporânea sem os referir.
A 1 de Março, o jornal Los Angeles Times anunciou a lista dos finalistas do seu prémio literário, o LA Times Book Prize. Entre os cinco finalistas na área da ficção, dois, Daniel Woodrell e Peter Orner, são licenciados do Iowa Writer"s Workshop. Mas há mais. Philip Roth venceu o PEN/Faulkner Award for Fiction 2007 com Everyman (vai ser traduzido em Maio na Dom Quixote). Tornou-se assim o primeiro escritor a receber este prémio três vezes. Já sabem, não? Roth é um antigo membro da faculdade do Iowa Writers" Workshop. Aliás no site o IWW é assim apresentado: "Os alunos do workshop receberam uma dúzia de prémios Pulitzers (o mais recente atribuído a Marilynne Robinson em 2005; e a Michael Cunningham e Mark Strand receberam), tal como inúmeros National Book Awards e outros prémios literários importantes. Quatro dos recentes US Poet Laureates licenciaram-se no Workshop."
Mas tudo isto poderá ter uma explicação. O escritor norte-americano Richard Zimler, que vive no Porto (autor de O Último Cabalista de Lisboa), confirma que "o Iowa Writers" Workshop é de facto o mais famoso programa de escrita criativa nos EUA". Mas se é o melhor, Richard Zimler já não sabe responder. Nunca lá esteve e embora conheça antigos alunos nunca lhes perguntou qual o efeito do programa na escrita deles.
"Sempre fiquei com a ideia de que o Iowa Writers" Workshop cria uma uniformização de escrita e, há duas décadas, apercebi-me que podia "topar" o estilo de um formado no programa depois de ler uma meia dúzia de páginas de um romance ou de um conto. Acho isso péssimo", diz-nos por e-mail o escritor que não gostaria de sujeitar a sua escrita a "um tal processo de estandardização". Por outro lado, lembra, os antigos alunos do workshop são hoje pessoas importantes na indústria editorial e os que lá são licenciados têm uma grande vantagem em relação a outros autores porque à partida escrevem num estilo "autorizado" pelo IWW. Por isso, à partida, os seus romances vão ser considerados "bem escritos" pelos editores e pelos críticos, explica Richard Zimler.
"Os licenciados também têm outra grande vantagem: fazem parte de uma rede de "Old Boys", todos são produto do programa, metem "cunhas" uns pelos outros. Por isso, os licenciados têm acesso mais fácil às páginas dos jornais mais influentes do país. E ganham os prémios mais importantes. Sabendo destas vantagens, muitos alunos estudam lá simplesmente para fazer conhecimentos e conseguir o estilo "oficial". É a maneira mais eficiente para um escritor alcançar algum sucesso nos EUA", acrescenta o autor, que acaba de publicar The Seventh Gate na Grã-Bretanha.

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