Green Zone, a bolha dos norte-americanos no Iraque

Auto-suficiente e fechada do mundo, a bolha que os EUA ergueram em Bagdad para decidir o rumo do Iraque permanece como símbolo da ocupação e dos seus erros

a A Green Zone, oficialmente Zona Internacional, também conhecida por Bolha, ainda é o centro da ocupação norte-americana do Iraque e os iraquianos ainda a vêem como a prova de uma soberania incompleta, mas hoje vivem e trabalham nela muitos iraquianos, incluindo os dirigentes entretanto eleitos para o Parlamento e para o Governo. Entre Abril de 2003 e Junho de 2004 a zona foi a casa da Autoridade Provisória da Coligação (APC) - liderada por Paul Bremer, chegou a ter 1500 funcionários em Bagdad, quase todos americanos. "Parece uma pequena América", ouviu Rajiv Chandrasekaran de Mark Schroeder num fim de tarde do início da ocupação, sentado à beira de uma das piscinas da Green Zone. Chandrasekaran, hoje editor adjunto do Washington Post, dirigiu a equipa deste jornal em Bagdad durante o mandato da APC e no livro Imperial Life in the Emerald City, publicado este mês no Reino Unido, descreve o funcionamento da APC, que no pós-Saddam "escreveu leis, imprimiu moeda, recolheu impostos, mobilizou polícias e gastou os lucros do petróleo".
Mark Schroeder tinha 24 anos. Trabalhava para um congressista republicano quanto ouviu que era preciso mais pessoal: "enviou o currículo para o Pentágono e uns meses depois estava no Palácio Republicano", a compilar os progressos em sectores-chave. Fazia-o, como a generalidade dos colegas, sem sair da Green Zone.
A área, dez quilómetros quadrados no centro da cidade, costumava ser uma espécie de recreio de Saddam Hussein - com palácios, casas luxuosas para a elite e jardins. Do lado de dentro, entre arame farpado e barreiras de cimento, a Green Zone; do lado de fora, os engarrafamentos, as quebras de electricidade, as bombas - a Red Zone, como se referem ao resto de Bagdad os habitantes da primeira.
Hoje a Green Zone tem pizzarias e restaurantes chineses; uma loja de conveniência como as que existem nas grandes bases militares dos EUA, com Fritos ou CD; um pub britânico; um serviço de táxis ou salas para grupos de estudo da Bíblia. Chegou a ter bares geridos pela Halliburton, a mesma empresa a quem foi entregue o refeitório principal onde se servia "bacon ao pequeno-almoço, cachorros-quentes ao almoço e costeletas de porco ao jantar".
Chandrasekaran conheceu muitos funcionários da APC com experiência política em Washington e nenhuma noção da realidade iraquiana. "A decisão de enviar os leais e disponíveis em vez dos melhores e brilhantes, é hoje vista por muitos como um dos mais graves erros da Administração Bush", escreve Chandrasekaran. "Muitos dos seleccionados pela fidelidade política passaram o tempo a tentar impor uma agenda conservadora, o que deixou de lado os esforços de reconstrução e desperdiçou a boa vontade dos iraquianos", resume o jornalista.
Um quadro na parede
Um dos exemplos no livro de Chandrasekaran: Jay Halen, de 24 anos, ex-funcionário de uma imobiliária a quem foi pedido que reabrisse a bolsa de valores. Mergulhado "na ambição dos dias de optimismo" que antecederam os da insurreição e da guerra civil, Halen "não quis apenas abrir o mercado; quis fazer a melhor e mais moderna bolsa do mundo árabe, promulgar leis de segurança que tornassem as trocas independentes, instalar um sistema informatizado". A urgência, para os iraquianos, era um quadro branco pendurado na parede.
Quando Halen deixou o Iraque, a 22 de Junho de 2004, a bolsa ainda não tinha reaberto. Começou a funcionar dois dias depois, com transacções gritadas por corretores e os mesmos quadros brancos e recibos escritos à mão do pré-guerra.
Os erros da APC, disse a Chandrasekaran um general, "custaram-nos um ano valioso". "Se o Iraque correr bem, será apesar do que fizemos e não por causa disso", ouviu o jornalista de um responsável da APC em fim de mandato. As prioridades actuais dos EUA no Iraque - treinar o exército, preparar a polícia - não diferem dos problemas que os analistas colocavam no topo da lista em 2003 e 2004. E as dos iraquianos - segurança, electricidade, emprego - também já eram as queixas mais ouvidas poucos meses após a queda de Saddam.
Chandrasekaran descreve um atentado a dez minutos de carro da Green Zone. E conta como ao jantar, com um grupo de funcionários da APC, perguntou se tinham sabido das ex-
plosões e das dezenas de vítimas. "Sim, vi qualquer coisa sobre isso na televisão do escritório. Mas não a notícia toda. Estava muito ocupado a trabalhar no meu projecto de democracia", respondeu um deles.

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