Torne-se perito

O craque da selecção de Israel é um apátrida

Toto Tamuz nasceu na Nigéria, mas foi adoptado por uma israelita quando tinha apenas dois anos. Agora, com 19, é já a principal figura do Beitar de Jerusalém,
líder do campeonato. Mas o Estado israelita teima em não lhe
dar a nacionalidade

a A estrela emergente da selecção israelita é um apátrida. Toto Tamuz tem 19 anos, fez a escolaridade em Israel, fala fluentemente hebraico, brincou e cresceu junto das outras crianças do seu bairro e é hoje a grande vedeta do Beitar de Jerusalém (é mesmo o melhor marcador da prova), que lidera o campeonato. Mas não conseguiu ainda que o Governo de Ehud Olmert lhe atribua o passaporte israelita. Por isso, decidiu fazer greve à selecção daquele que considera ser o seu país.Toto Tamuz é filho de imigrantes ilegais. Nasceu na Nigéria, mas, com apenas dois anos, foi levado para Israel pelos pais, Doreen e Temile Clemente. Este último era futebolista de reconhecidos méritos e conseguiu assinar um contrato com um clube do interior. Mas o Beitar de Netanya não demorou muito a falir e o casal Clemente, depois de alguns trabalhos esporádicos e mal remunerados, teve de regressar à Nigéria.
O pequeno Toto ficou provisoriamente entregue a um ex-colega da equipa do seu pai, mas acabou por ser adoptado pela vizinha Orit Tamuz, uma mulher israelita de 43 anos, que nunca casou e vivia desafogadamente com o seu ordenado de quadro médio numa empresa de marketing. Educou-o, ensinou-lhe a religião e a cultura judias e deu-lhe o apelido, mas nunca conseguiu adoptá-lo legalmente. Toto rapidamente perdeu toda a ligação aos seus pais biológicos (entretanto separados), que hoje renega, apesar de ter recebido de Temile Clemente os genes que fizeram dele um craque no futebol.
"Toto é uma das razões mais fortes que me fazem levantar todos os dias com um sorriso. Sinto-o como se tivesse estado grávida dele. Para mim, ele vem sempre primeiro, é a minha família e este amor preenche-me muito", disse recentemente Orit a um site do seu país. "Ela deu-me todo o carinho que não obtive dos meus pais biológicos. Com ela, senti o que é uma verdadeira família", confirmou o jovem futebolista, que se mostrou sempre renitente às tentativas de aproximação dos pais biológicos. Há cerca de seis meses, a mãe, Doreen, foi a Israel, mas Toto travou qualquer possibilidade de contacto. "Os meus pais separaram-se e nem um nem outro permaneceram em contacto comigo. Apenas quando tinha 15 anos é que recebi um ou outro telefonema do meu pai", justifica Toto.
"Branca e preto..."
Orit já fez inúmeras tentativas para conseguir que o Estado israelita lhe conceda a adopção legal e atribua a cidanania israelita a Toto. Numa das primeiras vezes, teve mesmo de dar um murro na mesa e sair a chorar quando o funcionário do Governo lhe respondeu: "Você é branca e ele é preto...". Ela e Toto viveram durante anos com o temor de que a residência ilegal do jovem fosse descoberta. "Uma vez, quando tinha 13 anos e ia a caminho da escola, vi alguns polícias da emigração agredirem um par de trabalhadores estrangeiros, antes de os meterem no carro-patrulha. Assustei-me, porque pensei que me poderiam também apanhar a mim. Mas o meu hebraico é excelente e vi que os trabalhadores estrangeiros tinham dificuldade em falar a nossa língua. Orit sempre me disse para dizer que faço parte de uma família israelita e para tomar muito cuidado", contou o jovem.
Depois de se destacar no futebol de rua com os amigos, Toto conseguiu, aos 17 anos, assinar um contrato com o Hapoel de Petah Tikva, um clube da primeira divisão. Logo no ano de estreia, marcou 11 golos. Foi por essa altura, em 2005, que o Governo israelita lhe concedeu um visto provisório de residência, documento que permitiu à Federação de Futebol de Israel cumprir com uma normativa especial da FIFA que permite, por exemplo, a inscrição de jogadores sem qualquer tipo de cidadania.
Imagens no You Tube
Toto ficou finalmente em condições de representar as selecções israelitas, e os técnicos dos sub-19 e sub-21 não demoraram muito a convocá-lo. O visto provisório de residência caducou, entretanto, mas foi prorrogado até 2009.
Em Setembro, Toto mudou-
-se para o Beitar de Jerusalém, onde se confirmou como um dos jogadores mais emergentes do campeonato israelita - o Beitar comanda a prova, com 44 pontos em 23 jogos, e Toto é o melhor marcador, com dez golos. Foi então chamado à selecção principal e marcou mesmo um golo no jogo da sua estreia, frente a Andorra. E já surgiram diversas notícias a dar conta do interesse de clubes estrangeiros nos seus serviços. Quem o conhece, garante que só um grande imprevisto o impedirá de seguir o mesmo trilho de Yegbeni Yakubu, outro africano oriundo do futebol israelita, que brilha nos ingleses do Middlesbrough.
O site da UEFA elegeu-o recentemente como o jogador que mais se destacou em Israel, num trabalho sobre os 41 países com menor expressão que fazem parte do órgão que rege o futebol europeu. "Tem estado em grande forma", pode ler-se. "É um jogador muito talentoso", reconhece, por seu lado, o The Times of Nigeria, que recorda o facto de Toto ser nigeriano de nascimento e filho de Temile Clement, que chegou a ser um jogador conhecido naquele país africano. E quem consultar o You Tube, pode encontrar imagens de jogos em que Toto se confirma como um avançado explosivo e uma força da natureza. Um site da especialidade (www.trivela.com) diz que Toto é dono de uma capacidade física invulgar e capaz de sprints devastadores em direcção à baliza".
O brasileiro Joeano, que regressou recentemente à Académica depois de ter jogado durante algum tempo no Beitar, confirmou ao PÚBLICO estarmos na presença de "uma jovem promessa que tem tudo para vir a ser um grande jogador". "E é ainda um excelente amigo", acrescenta.
Tribunal vai decidir
Apesar do sucesso desportivo, Toto continua a ser um apátrida. Inconformado com a situação, recusou-se a representar a selecção de Israel no jogo particular que esta realizou no passado dia 7 de Fevereiro com a Ucrânia. E já fez saber que, caso a situação se mantenha, não estará disponível para alinhar no importante jogo que terá lugar no próximo dia 24 com a Inglaterra, a contar para o Grupo E da fase de apuramento para o Campeonato da Europa (a selecção israelita é quarta, com sete pontos).
Segundo o jornal espanhol El Pais, o Ministério do Interior de Israel tem-lhe recusado o pedido de nacionalidade porque "o facto de se tratar de um futebolista que joga pela selecção nacional não lhe confere privilégios na hora de obter a cidadania". Isto apesar de o porta-voz do referido ministério, Sabine Hadad, ter deixado claro que Tamuz "em nenhum caso será deportado". O diário espanhol cita fontes segundo as quais o Governo israelita teme criar um precedente perigoso num país com milhares de imigrantes ilegais de origem africana.
Mas Toto Tamuz não desiste e continua a lutar nos tribunais. O PÚBLICO tentou contactá-lo, mas um funcionário do Beitar Jerusalém informou que o jogador e a sua família entendem não ser este o melhor momento para se pronunciarem sobre o assunto. Ao que não deve ser indiferente o facto de o Tribunal Superior de Israel dever tomar uma decisão definitiva dentro de uma semana. Resta é saber se será despicienda a declaração de Toto segundo a qual se sente um israelita de corpo inteiro e que até quer cumprir o serviço militar, que, em Israel, é obrigatório e dura três anos. "Foi a primeira vez que me senti discriminado. Vi como os meus amigos foram chamados e eu também quero alistar-me no Exército e servir o meu país", afirmou recentemente o jogador.

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