Miguel Borges Coelho e Marta Zabaleta, uma cumplicidade a dois pianos

Os dois pianistas partilham o palco, hoje à noite na Culturgest, para interpretar duas obras raras

Miguel Borges Coelho e Marta Zabaleta vão estar lado a lado no Grande Auditório da Culturgest para um momento de especial cumplicidade. As duas obras que preenchem o programa de hoje à noite são composições de dois dos mais originais compositores do século XX, Olivier Messiaen e György Kurtág.A proposta partiu de Miguel Lobo Antunes, responsável pela programação da Culturgest e organizador do ciclo Filhos de Abraão. Miguel Borges Coelho explica algumas das razões que o fizeram aceitar o convite: "Já conhecia uma das obras que nos foi proposta desde o início, as Visões [Visions de l"Amen] de Messiaen, que é uma obra de que gosto muito." Por outro lado, interessou-lhe a ideia do ciclo de ultrapassar a incompreensão entre islamismo, cristianismo e judaísmo: "Numa altura em que se fala de choque de civilizações, achei interessante o projecto de fazer uma ponte entre as três religiões."
As duas obras do programa são composições de música religiosa. A peça do húngaro György Kurtág é uma transcrição de uma obra de Heinrich Schütz (1585-1672), compositor do barroco alemão. Kurtág transformou a peça para coro, solistas e vários instrumentistas numa composição para piano a quatro mãos, muito simples e muito depurada. Marta Zabaleta explica que o fascínio desta obra reside precisamente neste facto: "É uma obra de grande simplicidade, mas é também aí que está a dificuldade de a tocar. Há poucas notas, mas isso obriga a pensar em cada uma delas, em relação com o texto que lhe serve de suporte." A obra intitula-se As sete últimas palavras de Jesus Cristo na cruz. "São as últimas palavras de Cristo, o espírito e a intensidade da obra têm a ver com isso", diz Zabaleta, pianista espanhola que se tem apresentado regularmente em concerto com várias orquestras, em recitais a solo ou em formações de música de câmara.
Miguel Borges Coelho diz que as obras que fazem parte do programa "são quase opostas, mas têm coisas em comum. São obras que representam o cristianismo, mas uma é originalmente de um compositor alemão protestante, enquanto a outra é de Messiaen, um católico". A transcrição de Kurtág "é muito bonita. É uma obra muito rarefeita, que só tem o essencial", diz o jovem pianista português. "Messiaen é quase o oposto", contrapõe Marta Zabaleta, "usa milhões de notas. É o processo contrário à obra de Kurtág, mas o espírito é parecido". E acrescenta: "A obra de Messiaen é verdadeiramente espectacular, com um final muito intenso." Para descrever a intensidade mística e contemplativa da obra de Messiaen, Zabaleta fala de "catarse" e explica que "há uma contemplação da natureza, da luz, mas também do ser humano".
Os pianistas revelaram um pouco da forma como trabalham. "Cada um estudou a sua parte, naturalmente, mas depois é preciso encontrar a unidade das obras. É uma forma de trabalho parecida com a música de câmara, mas são dois pianos, é preciso trabalhar bem as sonoridades e a condução das vozes", explica Zabaleta. E a isto acrescentou-se um problema prático: "Nem sempre é fácil encontrar lugares onde tocar com dois pianos." Miguel Borges Coelho reconhece que há uma cumplicidade especial entre ambos, o que facilita o trabalho. Mas o fundamental, para os dois, é a enorme emoção e beleza que se sente nestas duas obras muito pouco tocadas. Hoje às 21h30 na Culturgest pode ser uma ocasião rara.

Sugerir correcção