Quando as mulheres chegam ao topo

Mesmo podendo fazer política com as mesmas virtudes, defeitos e tiques dos homens, o caminho das mulheres que chegaram ao topo foi, por regra, muito duro

Sexta-feira passada, Carlos Fiolhais fazia, nas páginas do PÚBLICO, uma interessante reflexão a propósito da eleição de Drew Gilpin Faus para reitora da que muitos consideram a melhor universidade do Mundo, Harvard. E, para além das inevitáveis comparações entre o método de escolha de um reitor naquela instituição e em Portugal, interrogava-se, a dado passo, sobre se essa designação não prenunciará a possibilidade de Hillary Clinton chegar à Casa Branca.Tal não seria surpreendente, sobretudo num país cujos últimos dois presidentes escolheram para o mais importante lugar na definição da política externa da única superpotência duas mulheres: Madeleine Albright no tempo de Bill Clinton, Condoleezza Rice com George W. Bush. Ou que tem hoje como speaker da Câmara dos Representantes outra mulher. A surpresa talvez fosse outra: vir a verificar-se que, nos lugares de topo do poder, e do poder político em particular, nada de radicalmente essencial distingue um homem de uma mulher.
Reparemos, por exemplo, no que se está a passar em França. Os dois candidatos favoritos parecem seguir caminhos bem diferentes não apenas naquilo que propõem (o que seria natural) mas na forma como o fazem e na preferência dos eleitores. Sarkozy, o candidato da direita que se prepara para enterrar o gaullismo, é alguém cujas ideias são bem conhecidas e que, apesar da controvérsia que geram, tem subido nas sondagens. Já a candidata da esquerda socialista, Ségolène Royal, é a mulher que sorri mas cujas ideias ou são pouco conhecidas ou o que apresenta parece mais virado para conseguir o apoio imediato dos eleitores do que resultar de um pensamento estruturado. Nas últimas semanas, isso tem-se traduzido na sua queda nas sondagens. Ségolène parece ser, não pelas ideias mas pelo estilo, o oposto de uma outra mulher que marcou nas últimas décadas a política europeia, Margaret Thatcher, teimosa e inflexível e fiel às suas ideias, mesmo quando estas a colocavam naquilo que gostava de descrever como a "minoria de um", isto é, a minoria em que só ela estava. Nem sequer a outra líder europeia que hoje se destaca, Angela Merkel, se aproxima, no carácter e na forma de actuar, a Thatcher. Mas já se distingue claramente do seu antecessor, um homem, Gerard Schroeder, cuja forma de estar na política era muito mais próxima da de Ségolène.

Poderíamos multiplicar os exemplos e até acrescentar--lhes reflexões sobre, por exemplo, a forma como Hillary Clinton está a tentar mudar de posição sobre a guerra no Iraque - acaba de colocar no seu site um vídeo onde advoga a retirada das tropas americanas em três meses, indo muito para além do que, por exemplo, advogou o painel bipartidário que sugeriu ao Presidente uma forte inflexão na política seguida nos últimos anos. Hillary, que está a perder terreno entre os democratas para Obama Barak, reage seguindo o caminho aparentemente mais fácil: o de ir atrás dos sentimentos da opinião pública. O essencial, contudo, é notar que a forma como os homens e as mulheres chegam ao topo do poder, isto é, aos lugares mais importantes dos países mais poderosos, não é assim tão diferente, e que elas e eles parecem, nessa frente, ter as mesmas virtudes (nuns casos) e os mesmos defeitos (noutros casos). Contudo...
Contudo, é importante acrescentar que se o resultado final pode não ser muito diferente, o caminho que estas mulheres tiveram de seguir para chegar onde chegaram foi, por regra, muito duro. Não há, nem podia haver, uma regra universal, mas se Merkel se temperou nos dias difíceis da ex-
-RDA, se Hillary se apagou em nome do marido, se Thatcher foi ridicularizada por ser mulher e se Drew Gilpin Faus chegou a reitora de Harvard mesmo sem ter passado por onde queria (Princeton, um estabelecimento que não admitia mulheres), isso mostra que podendo ter, na política, o mesmo perfil dos homens, têm por regra de ter mais nervo para chegar ao topo.
José Manuel Fernandes

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