Coimbra Edifício da Associação Académica sobrelotado e "mastigado" pelos estudantes

É um dos edifícios mais interessantes da produção arquitectónica nacional do século XX, mas, devido às enormes necessidades das secções da Academia de Coimbra, tem sofrido diversas intervenções. Os estudantes falam em "obras pontuais", os arquitectos em "adulterações" ao projecto inicial. Por André Jegundo

Se o arquitecto Alberto José Pessoa entrasse hoje no edifício da Associação Académica de Coimbra, levaria algum tempo até reconhecer os interiores do conjunto arquitectónico que projectou, na década de 50 do século passado, para acolher a sede da mais antiga associação de estudantes universitários do país. E não se trataria apenas de um problema de degradação do espaço. Segundo as vozes mais críticas, as alterações decorrem de uma utilização "dilacerante" ao longo dos últimos 40 anos: paredes deitadas abaixo, substituição do mobiliário original e até edificações "clandestinas" foram acrescentadas ao projecto inicial. Para recuperar o espaço, que se encontra em processo de classificação pelo Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar), já foi anunciado um projecto de remodelação do edifício da autoria de Gonçalo Byrne. Mas, até lá, conseguirá esta peça marcante da arquitectura moderna portuguesa sobreviver aos seus inquilinos?
"Todas as intervenções que têm sido feitas ao longo dos anos representam uma ameaça muito forte ao valor patrimonial do edifício. Foram intervenções pontuais, desgarradas umas das outras, que põem em causa o conjunto projectado por Alberto José Pessoa. O edifício não aguenta tantas adulterações", afirma José António Bandeirinha, professor no Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra.
Hoje, na opinião de José António Bandeirinha, o edifício da AAC "ainda merece ser classificado", mas, para tal acontecer, será necessária uma "gigantesca operação de limpeza das adulterações". "Tem que ser uma intervenção que o adapte, mas que, simultaneamente, combata a descaracterização de que tem sido alvo. Chega de mastigar e de dilacerar o edifício; é necessário restituir-lhe a sua identificação epocal", sustenta.
A visão do arquitecto, que olha a sede da AAC como "um todo que importa conservar", tem sido contrariada pelas últimas gerações de estudantes que sentiram a necessidade de ir adaptando o edifício às exigências das dezenas de secções culturais e desportivas da associação. "Houve, claramente, uma sobreocupação do edifício e uma utilização intensiva do mesmo. Procurámos respeitar o seu valor arquitectónico, mas tentando, ao mesmo tempo, adaptá-lo para ir respondendo melhor às necessidades que as secções sentem hoje", justifica Luís Viegas, ex-responsável pelo edifício da AAC no mandato da direcção-geral liderada por Fernando Gonçalves.
Só com a construção do novo edifício da AAC no pólo II da Universidade - que, de acordo com as projecções mais optimistas, poderá estar concluído dentro de seis anos - será possível avançar com a remodelação do edifício-sede, um período de tempo que Luís Viegas considera demasiado longo para que tudo fique na mesma: "Um período de cinco a seis anos é um arco temporal que marca a passagem de milhares de estudantes por Coimbra. Estes estudantes também têm o direito de usufruir da associação académica".
José António Bandeirinha defende, contudo, que as inúmeras intervenções realizadas no edifício da AAC não melhoraram significativamente as condições de trabalho das secções. Pelo contrário, terão contribuído para a vulgarização do espaço. "Tiram-se portas, põem-se portas, deita-se uma parede abaixo para erguer outra ao lado, metem-se lápides atrás de lápides. As coisas não podem ser feitas assim. Tudo o que foi feito está de algum modo a ridicularizar um edifício que possuía uma dignidade de utilização muito acima da média", acrescenta.
Perante os dois valores em confronto - a preservação do valor arquitectónico do edifício e a enorme pressão colocada pela actividade das inúmeras secções culturais da AAC -, Adérito Araújo, do Grupo de Etnografia e de Folclore da Academia de Coimbra, considera que cabe à reitoria da universidade, enquanto proprietária do espaço, desempenhar um papel "mais interventivo", algo que na sua opinião não tem acontecido. "Acho que a reitoria se tem demitido dessas funções. Tem sido completamente permissiva relativamente às obras que são feitas na AAC. As sucessivas direcções-gerais têm feito obras a seu bel-prazer", critica.
Esta posição não é subscrita por José António Bandeirinha, que, além de não acreditar na eficácia de uma atitude "repressiva" por parte da reitoria, espera que sejam os próprios estudantes a modificar a sua relação com o edifício da AAC. "É preciso que todos os que frequentam aquela casa a amem e compreendam aquele espaço. Mas isso tarda", lamenta.
Projecto de recuperação prevê demolições

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