"NÃO SEI COMO VOU FAZER SE A ECOVIA ACABAR"

O número de utentes do transporte em miniautocarros para o centro da cidade
de Coimbra não é suficiente para evitar avultados prejuízos. Mas os que aderiram ao serviço
são-lhe fiéis e criticam a morte anunciada pelo executivo municipal de Coimbra, que hoje toma
a decisão final. Por Graça Barbosa Ribeiro

"Não entendo! Vão acabar com a Ecovia porque não tem utentes!? Mas quantas vezes [o miniautocarro] chega a São José e já deixa pessoas na paragem porque está cheio?", protesta Odete Bairrada no parque de estacionamento do Vale das Flores, em Coimbra. A seu lado, Lurdes Encarnação, também funcionária da Universidade de Coimbra, acena com a cabeça em sinal de concordância. Já tem nas mãos o formulário que acabou de pedir, para fazer uma reclamação contra a morte anunciada da Ecovia - o sistema de transporte em miniautocarros, de alta cadência, para o centro da cidade, cujo futuro é hoje decidido pelo executivo municipal.Das pessoas que a partir das 8h30 começam a afluir àquele parque de estacionamento, a maior parte tem como destino a Universidade de Coimbra. "Naquela zona é impossível arranjar lugar para estacionar - já me aconteceu levar o carro e voltar para trás, deixá-lo em casa e ir de Ecovia. Não sei como vou fazer, se este serviço acabar", comenta, já dentro do miniautocarro, o investigador Pedro Araújo. Com 31 anos de idade, é um dos beneficiários das alterações introduzidas pelo executivo camarário com o objectivo de rentabilizar a Ecovia.
Quando foi lançado, em 1997, o sistema de transportes tinha uma filosofia muito específica: através do conforto e da fiabilidade proporcionadas visava captar aqueles que levavam o carro para o centro da cidade por resistirem a utilizar os serviços de transporte público comuns, pelo que só podia ser utilizado por quem deixava o respectivo automóvel nos parques de estacionamento da Ecovia. A partir de 2002, passou a ser permitido o acesso ao serviço sem a obrigatoriedade do parqueamento da viatura própria, apesar de serem exigidos títulos de transporte diferentes dos utilizados para viajar nas chamadas carreiras normais dos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra (SMTUC).
A diferença de preço (o estacionamento durante todo o dia e a viagem de ida e volta custa 1,90 euros) compensa, na perspectiva dos utilizadores. "Recorro a este serviço desde que ele existe. Vivo na Boavista, que é mal servida pelas carreiras normais. E, se tivesse de recorrer a elas, tinha de mudar a meio do percurso para chegar ao local onde trabalho, que fica no outro extremo da cidade", comenta Filomena Gadanha, de 50 anos. "Sabemos que não esperamos mais de dez minutos, o transporte é sossegado e confortável, já cumprimentamos o motorista como se fosse da família", acrescenta Odete Bairrada.
Ambas descrevem um serviço muito diferente do proposto, em alternativa, pelo presidente da câmara, Carlos Encarnação: a criação de um título de transporte, no valor de dois euros, que dê direito ao estacionamento nos actuais parques da Ecovia e a duas viagens nas redes normais dos SMTUC.

Prejuízo rondou 332 mil euros em 2005
A questão é que, segundo a maioria PSD/PP que gere a Câmara Municipal de Coimbra, o serviço Ecovia não conseguiu captar um número suficiente de utilizadores. Em 2005, registou-se um prejuízo de 332 mil euros. Este ano, em Setembro, já rondava os 298 mil, como sublinhou o presidente da câmara há duas semanas, quando apresentou ao executivo municipal a proposta de extinção do serviço.
Em 2005, foram vendidos 355 mil títulos de viagem e este ano, até Setembro, 245 mil. Estes números não correspondem, contudo, ao número de passageiros transportados, que, como sublinha o administrador-delegado dos SMTUC, Manuel Oliveira, "é muitíssimo inferior". Quem passar algum tempo noutros dos parques de estacionamento da Ecovia, na Casa do Sal, percebe porquê.
8h30 de sexta-feira. Três automóveis fazem fila para que os ocupantes possam comprar o talão que lhes permite estacionar e viajar nos miniautocarros. Mas, quando saem das respectivas viaturas, os condutores não se encaminham para a paragem, antes avançam, em passo largo, em direcção à Avenida de Fernão de Magalhães. Madalena Barreira, administrativa, abre a carteira para mostrar um maço de títulos de transporte não utilizados. "Venho de Eiras e trabalho a dois passos daqui, posso perfeitamente ir a pé. E neste parque de estacionamento pago, por um dia inteiro, menos do que por duas ou três horas 200 metros à frente", explica.
Às 10h30, quem quiser estacionar no parque 1 da Casa do Sal e utilizar realmente o serviço de transporte já não o consegue fazer. O parque, com capacidade para 143 viaturas, está lotado, sendo que uma grande parte dos utilizadores o usou como simples parqueamento.
São 11h30. Os miniautocarros continuam a circular na única linha existente (a linha com destino aos hospitais da universidade foi suspensa esta semana) com duas pessoas, uma ou mesmo nenhuma, fazendo lembrar a alcunha com que o serviço foi brindado no final da gestão do socialista Manuel Machado, que o lançou: "Ecovazia". Mas nem isso convence os utentes de que há razão para lhe ditar a morte.
"A solução é muito simples: mantenham-se apenas as carreiras das horas de ponta: ao princípio da manhã, a partir das 17h00 e à hora de almoço. Basta isso para o prejuízo diminuir significativamente", sugere Rui Monteiro, empregado de escritório. "Quanto ao lucro", acrescenta já a entrar para o miniautocarro, "que eu saiba, nunca foi o objectivo deste serviço, que foi criado para desincentivar as pessoas a levar o automóvel para dentro da cidade".

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