Miguel Sousa Tavares faz queixa-crime contra anónimo que o acusa de plágio

Escritor diz que o blogue é
"uma obra-prima de manipulação" e que as únicas coincidências
são históricas

O escritor e colunista Miguel Sousa Tavares está de novo no centro de uma polémica, que começou num blogue, se espalhou por vários e foi ontem manchete de um tablóide: Sousa Tavares plagiou parágrafos de um best-seller dos anos 70 para o seu best-seller Equador? "Obviamente que não", disse ontem Miguel Sousa Tavares. "Sem modéstia, escrevi um grande livro e não admito em caso algum que me acusem de plágio. Leiam os dois livros e não há comparação nenhuma."
O escritor desconfia quem é o autor anónimo do blogue Freedomtocopy e vai indicá-lo como suspeito numa queixa-crime à polícia que deverá ser entregue esta semana. Freedomtocopy é um blogue anónimo, criado na sexta-feira expressamente para este fim e acusa Miguel Sousa Tavares de ter plagiado o livro Freedom at Midnight, de Dominique Lapierre e Larry Collins, uma narrativa histórica sobre a independência da Índia, publicado em 1975 e que foi um best-seller. O livro foi editado em português em 1976 pelo Círculo de Leitores e pela Ática como Esta noite a Liberdade - as duas edições estão esgotadas. Sousa Tavares disse ainda que "isto é um processo kafkiano". "Sinto-me numa posição kafkiana porque ele [o autor da acusação de plágio] nem tem rosto."
O blogue, que diz ser não de um único autor mas de vários, abre com a frase: "Nem todos estamos na disposição para ser enganados. Quando compramos um livro, devemos exigir que ele seja autêntico." E a seguir, faz oito transcrições de excertos de Equador seguidas de oito traduções de Freedom at Midnight, todos com indicação de páginas mas com muitos parêntesis que indicam que alguma coisa foi cortada, não se sabendo se muitas ou poucas palavras. Há muitas ideias parecidas e frases praticamente iguais.
Sousa Tavares não quis revelar o nome da pessoa que acredita ser o bloguista anónimo: "Tenho suspeitas, mas não vou arriscar difamar. O perfil é de um escritor falhado, medíocre, invejoso e caluniador."

Obra referida não é ficçãoO que o anónimo faz no blogue é "uma obra-prima de manipulação", diz o escritor. A começar pelas primeiras linhas. "A única coisa que coincide é que Luís Bernardo Valença estava instalado numa confortável poltrona. Mas esta frase deve ter sido escrita mil vezes na história da literatura." No blogue, diz Sousa Tavares, o autor "cola" uma frase que aparece em Equador com outras que aparecem páginas à frente apresentando-as como um parágrafo único como o início do livro. "No meio ficam uma série de páginas que servem para caracterizar a personagem."
Embora estas frases iniciais do blogue não estejam entre aspas (como citação directa), António Lobato Faria, editor da Oficina do Livro (que publica Equador), diz que a intenção é que o leitor as leia como tal. Mais à frente, o(s) autor(es) põe(m) as citações de um e de outro livro, sendo que no segundo estão em inglês. "Só apresenta as "provas" quando as pessoas já foram manipuladas", diz o editor. Sousa Tavares argumenta: "Entre o momento da cadeira e o da meditação há oito ou 12 páginas em que falo do canal Suez, da vida em África, da vida amorosa da personagem. Ele diz que os dois [a personagem de ficção Luís Bernardo Valença e a personagem histórica Louis Francis Mountbatten, o último vice-rei da índia] são ambiciosos e jovens. Ora quem leu Equador sabe que a minha personagem não tem ambição alguma. E Mountbatten não era jovem."
Sousa Tavares diz que há coincidências entre as obras, que são três ou quatro personagens históricas e factos históricos, "o que é absolutamente banal" já que Equador é um romance histórico e portanto as fontes também o são: para o escrever recorreu a "variadíssimas fontes". "Qualquer leitor sabe que um romance histórico envolve muita pesquisa, o meu envolveu anos. Eu, aliás, cito as minhas fontes no fim do livro. Um plagiador citar a fonte seria a primeira vez." Além disso, diz, a obra referida como fonte não é ficção, é "um relato histórico" e "muito mau": "A única coisa que tem de bom são as fotografias."
Na actual edição de Equador estão indicadas, na bibliografia nas últimas páginas, 29 livros, além de jornais e revistas do início do século.
A edição francesa do livro de Lapierre e Collins é uma delas (Cette nuit la liberté, Éditions Robert Laffont, Paris 1975). António Lobato Faria argumenta ainda que é estranho o autor do blogue ter "apenas" aquelas citações: "Em mais de 500 páginas só descobriu aquilo", ironiza. "É normal um livro histórico ter descrições e características que estão noutros livros."
Equador foi um sucesso imediato de vendas e, pouco tempo depois de ter saído, surgiram artigos na imprensa sobre imprecisões históricas do romance, algumas das quais o escritor acabou por corrigir nas edições posteriores. O livro foi lançado em 2003, vendeu 270 mil exemplares em Portugal, foi traduzido em dez países e vai na 27ª edição. É um dos maiores casos de sucesso editorial em Portugal.

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