Orhan Pamuk Um escritor entre dois mundos

Orhan Pamuk é o Prémio Nobel da Literatura 2006 e o segundo escritor de um país predominantemente islâmico a ganhar este prémio, depois do egípcio Naguib Mahfouz
em 1988. A Academia Sueca considerou a obra deste escritor turco inovadora porque alargou os horizontes do romance contemporâneo. Polémico, sempre disse o que pensava mesmo quando isso podia pôr em perigo a sua vida. Em Portugal estão traduzidos dois dos seus romances: A Cidadela Branca e Os Jardins da Memória. Por Isabel Coutinho

O escritor turco Orhan Pamuk, 54 anos, ganhou ontem o Prémio Nobel da Literatura 2006 porque "alargou os horizontes do romance contemporâneo", disse aos jornalistas Horace Engdahl, o presidente da Academia Sueca que atribui o prémio. A sua obra mistura dois universos - o da cultura ocidental e o da cultura oriental - e por isso é inovadora. "Ele apropriou-se do romance ocidental e transformou-o em algo diferente, de um modo como nunca tinha sido feito antes", acrescentou Engdahl. "Na procura da alma melancólica da sua cidade natal, Pamuk descobriu novos símbolos para o choque e interligação de culturas", lê-se no comunicado de imprensa da Academia.A sua obra faz uma ponte entre o Oriente e o Ocidente e o problemática da identidade e da memória está sempre presente. Pamuk escreve em turco, está traduzido em vários países e ganhou quase todos os prémios literários importantes [ver caixa]. Faltava-lhe o Prémio Nobel, para o qual era desde há anos um dos favoritos. Ontem, tornou-se no segundo escritor de um país predominantemente islâmico a ganhar este prémio. O egípcio Naguib Mahfouz, que morreu em Agosto, era até agora o único (foi premiado em 1988).
A situação política na Turquia não afectou a decisão. "Não temos nenhum interesse em que isto leve a alguma turbulência política. Ele é uma figura controversa no seu país, mas também o eram a maioria dos nossos premiados", acrescentou Engdahl.
O autor de Os Jardins da Memória e A Cidadela Branca é muçulmano não-praticante, pai de uma adolescente e divorciado. Minutos antes da Academia divulgar o seu nome recebeu uma chamada telefónica de Horace Engdahl a dizer-lhe que era o premiado deste ano. "Sinto-me muito feliz e honrado. Ainda estou a tentar recuperar do estado de choque", afirmou Pamuk ao jornal sueco Svenska Dagbladet, por telefone. Confirmou que irá a Estocolmo a 10 de Dezembro receber o prémio. "Vai ser divertido", disse. Para o escritor, a imagem do Oriente e do Ocidente em confronto é uma das ideias mais perigosas dos últimos anos e considera o seu trabalho como o melhor exemplo do quanto pode ser frutífero o intercâmbio de culturas.

Todos liam lá em casaOrhan Pamuk nasceu e cresceu em Istambul, numa casa onde toda a gente lia. O seu pai, que era engenheiro, tinha uma grande biblioteca e falava com ele sobre grandes escritores, como outros discutem sobre generais famosos ou santos, contou o ano passado quando em Frankfurt recebeu o Prémio da Paz dos Livreiros Alemães.
Foi através da leitura das obras dos grandes escritores europeus que conheceu a ideia de Europa. Isso faz a particularidade da sua obra: encontrar um equilíbrio entre o Ocidente e o Oriente. Pamuk frequentou o liceu americano e estudou Arquitectura e Jornalismo. Queria ser pintor, mas aos 23 anos abandonou os estudos para ser escritor. Demorou sete anos a publicar o seu primeiro romance. "É alguém que põe a literatura acima de tudo o resto", disse Joachim Sartorius, da fundação alemã que lhe atribuiu esse prémio. Mesmo nos romances históricos não evita os temas políticos altamente controversos.
Foi o primeiro escritor no mundo muçulmano a condenar a fatwa a Salman Rushdie. Foi acusado pelos ultranacionalistas turcos de difamação da identidade turca [ver caixa], sempre disse o que pensava sobre as restrições dos direitos dos curdos no seu país e que a Turquia sofre de amnésia colectiva quando se trata de evocar o destino dos arménios durante a Primeira Guerra Mundial.
Turquia reagiu dividida
Atila Koc, ministro da Cultura turco, ficou "encantado" com o prémio. O ministro dos Negócios Estrangeiros Abdullah Gul considerou "uma alegria que um turco tenha ganho o Nobel na área da literatura". Mas na Turquia as reacções foram diversas. "O prémio não foi uma surpresa, já estávamos à espera. Como cidadão turco sinto-me envergonhado", disse Kemal Kerincsiz, um ultranacionalista para quem o prémio não foi atribuído por causa dos seus livros, foi dado pelas suas palavras, por causa daquilo que defende. O poeta turco Ozdemir Ince é da mesma opinião. "Não foi a literatura turca que ganhou o Prémio Nobel, foi Orhan Pamuk. Amanhã os jornais internacionais vão dizer: Orhan Pamuk, que aceita o "genocídio arménio", ganhou o Prémio Nobel."
Adalet Agaoglu, romancista turco, considera que este é "um momento histórico". Acredita que a atenção mundial vai voltar-se agora para os escritores turcos. O mesmo pensa Cetin Tuzuner, presidente da Associação de Escritores turcos: "Pamuk vai ser como uma locomotiva, vai abrir o caminho a outros escritores. Os escritores turcos vão encontrar o seu lugar na literatura." A semana passada soube-se que em 2008, a Turquia será o país convidado da Feira do Livro de Frankfurt.
Em Portugal, o autor não vendia. Os seus dois livros publicados pela Editorial Presença, A Cidadela Branca (Maio de 2000) e Os Jardins da Memória (Junho de 2004), ambos com uma tiragem de três mil exemplares, nunca esgotaram. Mas ontem tanto a cadeia de livrarias Fnac, como a Bertrand anunciaram que vão repor os stocks das suas obras. E o escritor turco vai aumentar a sua conta bancária, pois o prémio é no valor de 1,1 milhões de euros.

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