JOSÉ PEDRO GOMES E ANTÓNIO FEIO Eles são o típico português

Um vai ser um taxista bígamo, o outro o vizinho que o tenta ajudar a sair das confusões em que se mete.
A partir de terça-feira estão no palco do Teatro Villaret, em Lisboa, com a peça "2 Amores". São uma dupla de sucesso
porque fazem muita conversa da treta. Como o típico português. Por Ana Tavares

Eles fazem rir os portugueses. Fazem-nos rir de si próprios. Eles são José Pedro Gomes e António Feio, uma dupla que trabalha junta há muito tempo. São uma espécie de almas gémeas, ao ponto de José Pedro Gomes dizer que se complementam. Tem razão: mesmo entrevistados em separado, o que um diz, o outro termina. E como em equipa que vence não se mexe aí estão de regresso aos palcos. António Feio, de 51 anos, começou cedo no teatro. Tinha apenas 12 anos quando se estreou em O Mar, de Miguel Torga. Prefere encenar, gosta de gerir o espectáculo e as pessoas para que tudo esteja no seu melhor. Como professor (leccionou o Curso de Formação de Actores no Centro Cultural de Benfica de 1985 a 1996 e agora admite repetir workshops), diz que não tem nada para ensinar a não ser fazer as pessoas descobrirem os seus próprios mecanismos.
José Pedro Gomes (54 anos) diz que o amigo gosta de dar liberdade aos actores para serem criativos. Ao contrário de António Feio, chegou ao teatro profissional já perto dos 30, após anos de teatro amador. Gosta mais de ser actor (encenou apenas Inox e Conversa da Treta) e escreveu e interpretou Coçar onde é preciso (2005) - uma peça "libertadora" -, depois de ser operado a um aneurisma cerebral no mesmo ano. António Feio não arrisca escrever para teatro.
A dupla, que trabalha em conjunto há mais de 20 anos, vai terça-feira regressar ao palco do Teatro Villaret, em Lisboa, com a comédia 2 Amores, de Ray Cooney, e prepara-se para lá ficar, como já é hábito nas suas peças, até que o público pare de encher a sala - geralmente, alguns meses depois.
José Pedro Gomes interpreta João Santos, um taxista bígamo que ao tentar salvar uma velhota de ser assaltada é agredido por esta e acaba por ir parar ao hospital. António Feio encena e dá vida a Simão, o vizinho que tenta ajudar o taxista a resolver as confusões em que se mete para que as suas duas mulheres não descubram a existência uma da outra. Maria Henrique, Cláudia Cadima e João Didelet também integram o elenco desta espécie de história de Pedro e o Lobo mas numa versão moderna e urbana, como diz José Pedro Gomes.

O filme2 Amores é apenas mais um projecto desta dupla. No próximo sábado será a ante-estreia, no evento de cinema ao ar livre Optimus Open Air, de Filme da Treta, que recupera as célebres personagens que interpretaram em Conversa da Treta (1997 e 2000) e depois em A Treta Continua (2002) - Zézé e Toni. Foi Leonel Vieira, realizador de filmes como Zona J (1998) e A Selva (2002) que sugeriu aos actores o projecto: "O Leonel Vieira viu o espectáculo no Coliseu [dos Recreios] e achou que pegar nestas personagens e no capital do espectáculo seria interessante. Ele queria fazer um filme que fosse uma comédia e que fosse popular - o objectivo foi esse", conta José Pedro Gomes. (O cineasta português é o produtor do filme e José Sacramento o realizador).
A Conversa da Treta, estreada em 1997 no Auditório Carlos Paredes, em Lisboa, com textos de José Fanha e depois foi adaptada para televisão em 1998, sucedeu-se A Treta Continua, já escrita por Eduardo Madeira, Filipe Homem Fonseca e Rui Cardoso Martins. A Treta - como chamam aos dois espectáculos - esgotou salas pelo país, numa digressão nacional que durou dois anos e teve mais de 200 mil espectadores - só no Coliseu de Lisboa foram 40 mil.
A fórmula era simples: um cenário totalmente negro, duas cadeiras, um cinzeiro e o humor corrosivo de António Feio e José Pedro Gomes, que satirizavam o típico português em conversas que muitas vezes não faziam sentido. "O segredo da Conversa da Treta era falarmos de nós próprios. Qualquer pessoa se revê no espectáculo seja qual for o estrato social ou a idade. É o típico português que não se coíbe de dar as suas opiniões, mesmo dizendo os maiores disparates", diz António Feio. "É brincar com aquilo que somos." José Pedro Gomes reforça: "É bom fazer os portugueses rirem-se deles próprios."

Vários êxitosMas Conversa da Treta foi mais que isso. Foi, para eles, mais uma prova de que conseguiam trabalhar sem financiamento do Estado, com produções que se auto-sustentavam. A gota de água surgiu quando o Estado recusou subsidiar Pop Corn (2000), de Ben Elton, alegando que não era interessante, dizem. Depois, seguiu-se Inox (2002), a que foi concedido um subsídio de cerca de 20 mil euros para uma peça que custou 300 mil. "A maior oferta no teatro português é a que tem menor procura e isso não faz sentido. Assim inventa-se que o teatro tem de ser subsidiado porque o público não quer ver. E isso é mentira", critica José Pedro Gomes. "Onde há salas de teatro - e verificámos isso com Conversa da Treta - há interesse e há publico."
Dão números: Arte (1998) teve mais de 100 mil espectadores, Jantar de Idiotas (2005) 52 mil e Inox cerca de 80 mil. Aceita que fazem teatro comercial? José Pedro Gomes diz que já não tem "esses complexos" e que agora se ri da situação. "Acho que temos uma intelectualidade desligada do país real."
Como se mantém o sucesso? "Penso que é a forma como pegamos nos espectáculos e os apresentamos com muita dignidade e elencos de luxo. Não olhamos a meios para fazer aquilo que temos vontade de fazer. E também já temos um público fiel que arrasta mais pessoas, por isso contamos sempre com o público", diz António Feio. Mas também sabem que "é mais fácil trazer um espectáculo divertido", porque é o que os portugueses querem ver. "As pessoas querem arejar a cabeça, por isso não nos podemos guiar só pelo gosto pessoal", diz. "A vida já é demasiado complicada."
BI
Nome
António Feio
Idade
51 anos
Profissão
Actor e encenador
Particularidade
O seu maior defeito é ser muito calmo, diz José Pedro Gomes
BI

NomeJosé Pedro Gomes
Idade
54 anos
Profissão
Actor, escritor e encenador
Particularidade
António Feio diz que José Pedro Gomes é muito impetuoso

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