OS FILHOS E NETOS PERDIDOS DE MAO TSÉ TUNG

Esmagados psicologicamente pelo peso da herança recebida, os descendentes de Mao Tsé Tung, que morreu há precisamente 30 anos, perdem-se hoje nos corredores de um poder que não ostenta mais do que um maoismo de fachada. Com Kong Dongmei não foi assim. Educada e formada nos Estados Unidos, voltou à China, fundou uma editora e está apostada em recuperar a imagem do avô, mais como homem do que como político. Por Abel Ségretin

Kong Dongmei, 34 anos, lembra muito o avô, Mao Tsé Tung. Grandes bochechas, pálpebras cheias, sobrancelhas grandes, um desenho familiar dos lábios. O sinal do queixo está praticamente no mesmo lugar. Mas Kong Dongmei é uma mulher moderna do século XXI, vestida com marcas italianas, que conduz o seu Audi e recebe os jornalistas no muito exclusivo China Club, de Pequim, frequentado pelos PDG e cabeças coroadas do mundo inteiro. "Comparam-me permanentemente a ele, não me vêem senão através dele. A semelhança incomodou-me durante muito tempo, mas é impossível evitá-la. Assim, acabei por a assumir completamente", diz.

Uma "mulher de negócios"Ser uma das raras descendentes em vida do Grande Timoneiro é para Kong uma sorte e uma maldição. Nunca o conheceu em vida. Mas "ele" ocupa a sua por inteiro. Nascida em 1972, em Xangai, durante a tormenta da Revolução Cultural, educada de uma forma muito restrita nas melhores escolas de Pequim para filhos dos quadros do partido, cresceu mergulhada no culto a Mao.
"Tive dificuldade em aproximar o homem que era o meu avô daquele cuja cara, espalhada por todo o lado, era venerada pelas pessoas".
Depois da abertura económica e de estudos de literatura anglófona, Kong Dongmei trabalhou numa companhia de seguros. Depois foi estudar Ciências políticas nos EUA, o país de Hemingway, o seu "escritor preferido". Aí descobriu o jazz, a arte contemporânea, os salões literários.
"Não dizia a ninguém quem era o meu avô, por pudor, mas também para não suscitar problemas", afirma.
Mas não escapou durante muito tempo à sua descendência. De volta à China, em 2001, foi quase logo "tentada pela vida pequeno-burguesa", quis abrir um comércio, mas acabou por regressar às suas origens. Fez o seu "coming out" maoista, fundou uma editora dedicada inteiramente à promoção da "nova cultura vermelha" que pretende "tornar cultural e na moda o que era apenas político e histórico".
A editora chama-se Biblioteca dos Crisântemos Perfumados, o nome da sala onde Mao, que gostava de trabalhar deitado, tinha o seu escritório, a sua cama e os seus milhares de livros. Aí publica também os seus guias de viagem "vermelhos" sobre os caminhos da revolução, os relatos dos veteranos, e fotos inéditas, tudo tratado com um design moderno. Assina o seu primeiro livro, Abrir o Meu Àlbum de Família, no qual evoca o destino dramático da sua avó, He Zizhen, casada com Mao, durante a Longa Marcha, antes dele a trocar por Jiang Qing, a sulfurosa actriz que se tornou uma déspota.
"O que quero é tornar a minha família mais humana, mostrar que Mao era um homem antes de ser um dirigente", diz. Prepara-se para abrir um café-galeria nas antigas fábricas do Exército "798", transformadas no lugar de eleição da arte contemporânea da capital chinesa.
"Sou uma mulher de negócios e uma emissária da cultura vermelha. Quero que Mao se torne um ícone popular de moda, como o Che, ou como a obra de Andy Warhol. Basta de ideologia, os jovens querem cultura", diz.

Recuperar MaoOs seus livros são todos best-sellers, com vendas da ordem dos 100 mil exemplares, o que é muito para este país. Na China, os relatos de carácter histórico são um género muito em voga: estão omnipresentes nas séries de televisão, no cinema, no teatro radiofónico, na literatura. Mas muitos respeitam à época imperial. Os que tratam da revolução, da guerra sino-japonesa ou da China de depois de 1949 continuam pejados de propaganda e de versões oficiais uniformes.
O trabalho de Kong traz uma luz pessoal sobre a vida do dirigente e da sua equipa, encaixando à maravilha na época dos blogs, muito em voga no Império do Meio.
Este sopro de modernidade conjuga-se com a mais estrita ortodoxia. Para Kong Dongmei, nada, jamais, pode manchar a memória do seu avô. Qualquer aspecto negativo ou simplesmente crítico está afastado à partida. "Estou contra os artistas e os escritores que se servem da imagem de Mao para o criticar".
O fervor maoista não é senão uma lembrança na China actual. Porém, Mao continua o símbolo absoluto da unidade do país, ornamentando a Praça Tiananmen e todas as notas de banco. Continua proibido criticá-lo publicamente, seja pelos milhões de mortos do Grande Salto em Frente ou pela sua ideologia. No momento em que os novos manuais escolares dos liceus de Xangai, previstos para serem difundidos pelo resto do país, não fazem senão uma única menção de Mao, contra três de Bill Gates, e onde os bilhetes para o espectáculo previsto na Assembleia do Povo, na Praça Tiananmen para assinalar os trinta anos da morte do dirigente, no dia 9 de Setembro de 1976, ascendem a 130 euros, Kong Dongmei mostra uma admirável mistura de fidelidade familiar e de eficácia empresarial.
É verdade que o destino familiar de Mao (1893-1976) foi trágico e apaixonante. Com um grande fascínio pelas mulheres, desposou quatro durante a sua vida, que lhe deram pelo menos 12 filhos. Dos quais só três lhe sobreviveram. A sua primeira união, forçada, com uma prima da sua aldeia natal, foi arranjada pelo pai, levando-o a dizer mais tarde que "o casamento é uma violação indirecta das crianças pelos seus pais". Comprometido com a luta comunista, casou-se com a militante Yang Kaihui, de quem teve três filhos, tendo um deles morrido como um vagabundo em Xangai e outro na guerra da Coreia. Foi executada pelos nacionalistas em 1930, ao mesmo tempo que um irmão de Mao, e que os túmulos da família eram violados.
Depois, Mao uniu-se a He Zizhen, com quem fez a revolução e seis crianças. Algumas foram abandonadas à nascença a camponeses durante a Longa Marcha, outra morreu muito nova na Rússia, onde He foi tratada a ferimentos de uma explosão de uma granada e a uma depressão nervosa. Quando se instalou em Yanan, Mao trocou-a por Jiang Qing, com quem viveu até à morte, em Pequim. Tiveram uma filha, Li Na, a única descendente com quem Mao teve proximidade.
Segundo o seu médico pessoal, Mao achava que fazer amor com muitas jovens dava-lhe "força e longevidade" até ao fim da vida, ao mesmo tempo que impunha ao resto do país alianças monogâmicas e sem divórcio, com os casamentos supervisionados pelo partido.

Maosimo de fachadaPostos de lado depois da eliminação do "Bando dos Quatro", logo após a morte do Grande Timoneiro, ou esmagados psicologicamente pelo peso da herança recebida, os descendentes de um dos maiores ditadores de todos os tempos perdem-se hoje nos corredores de um poder que não ostenta mais do que um maoismo de fachada.
Na China de hoje, os filhos de Deng Xiaoping, Jiang Zemin ou Hu Jintao, os três sucessores de Mao, ocupam postos importantes nas áreas da economia, armamento, energia, empresas de informática cotadas em Wall Street ou na política. Na casa dos Mao, as funções e as responsabilidades são subalternas. Mao Anying, filho do segundo casamento de Mao, sofre de problemas mentais desde 1951. Li Min, filha do seu terceiro casamento - que teve um lugar honorífico na Academia das Ciências Militares, antes de fundar, com o filho, Kong Jining, agente de um obscuro serviço de informação, o Centro de Investigação sobre o Espírito Nacional e o Desenvolvimento Chinês - sofre de depressão crónica. Li Na, filha do quarto casamento, ex-chefe de redacção do jornal do Exército durante a Revolução Cultural, vive de uma pensão equivalente a cem euros mensais. O filho, Wang Xiaozhi, trabalha numa unidade de hotelaria, onde tem a fama de "servir bem os clientes".
Outro neto do Grande Timoneiro, baptizado de "doutor Mao", encarna à sua maneira o destino comum aos descendentes do líder chinês. Mao Xinyu, 36 anos e 130 quilos, enaltece "a importância do pensamento de Mao Tsé Tung, que ilumina o mundo com a sua inteligência e a sua justiça". Deseja o "regresso da ideologia maoista", que faz falta aos jovens "que não pensam senão em dinheiro". É o símbolo de uma histórica trágica que se repete como uma farsa. Exclusivo PÚBLICO/Libération

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