Árvores determinaram forma do museu de Paula Rego

A história começa com uma carta e uma clareira. Ela escreveu a Souto Moura, ele aceitou o desafio. O arquitecto explica

"Sou pintora e chamo-me Paula Rego." Assim começava a carta, "com muita graça", que a pintora escreveu há cerca de dois anos ao arquitecto Eduardo Souto Moura. A carta abriu caminho para um primeiro encontro, em Londres, onde Paula Rego vive, em que pintora e arquitecto trocaram as primeiras impressões sobre o projecto da Casa das Histórias e Desenhos de Paula Rego, um museu que começará a ser construído para o ano, em Cascais. "Não me conhecia de lado nenhum e escolheu-me. Fiquei honradíssimo", disse ao PÚBLICO o vencedor do Prémio Secil de Arquitectura com o projecto do Estádio do Braga.
Na altura do convite, Souto Moura e Siza Vieira estavam a desenvolver um pavilhão temporário para a prestigiada Serpentine Gallery, no Hyde Park, em Londres. "Aproveitei estar em Londres e fui com a minha mulher ao atelier da Paula Rego. Começámos a falar [sobre o futuro museu] e, quando chegou a meio da conversa, sugeriu que fôssemos ver uma exposição sua na Tate Britain", recorda.
A pintora não resistiu a levá-lo à sala onde está uma peça de Francis Bacon (1909-1992), munida do espaço necessário para "respirar". "Isto é o máximo", comentou Paula Rego, sem deixar claro se se referia ao quadro do artista irlandês ou à sala. "Acho que era a ambos - não há sala sem Bacon, nem Bacon sem sala, acho que era a mensagem que me queria transmitir", defende Souto Moura.
O terreno escolhido - ou melhor, o bosque que se espraia por quase toda a extensão da Quinta da Parada - determinou as linhas de força do projecto. "É uma mata com uma silhueta interior que não chega para o museu. Tive de alargar, o que significa encostar-me às árvores. Foram as árvores que determinaram a forma do museu", explica o arquitecto.
O ponto de partida foi a clareira, os volumes que compõem o edifício ganharam corpo seguindo o rebordo vegetal. Como se o objectivo fosse mesmo o da intimidade entre natureza e edificado, um diálogo que não pressupõe a anulação de qualquer uma das partes. À excepção das duas chaminés - onde ficarão a cafetaria, influenciada pelas cozinhas de Alcobaça, e uma biblioteca -, as cotas da construção nunca ultrapassam a copa das árvores. Paula Rego ficou satisfeita com a proposta.

Influência de Raul Lino As chaminés são, na verdade, duas pirâmides às quais foi cortado o topo. De onde vieram?
"Isto tem a ver com Sintra, Raul Lino", esclarece. Souto Moura fala sentado na mesa do seu escritório, no Porto, com a mão apoiada sobre um livro de Raul Lino (1879-1974). Refere-se à Casa dos Penedos (1922), um dos dois palacetes que o célebre arquitecto ergueu em Sintra. Ali estão duas torres com formas piramidais, simétricas e imponentes numa escarpa. A Casa do Cipreste (1914), casa que Lino projectou para si próprio, conta a história de um espaço que se acomoda aos penedos como quem faz ninho (ou se encosta às árvores para ganhar terreno).
Além da Quinta da Parada, um lugar "mítico" e de "fetiche" para Souto Moura, havia duas outras hipóteses de terrenos próximos. Nenhuma delas agradou ao arquitecto. "Pareceu-me que havia [por parte da câmara] interesse em fazer um museu urbano, mais encostado à rua, com mais impacto visual. Mas eu disse que preferia algo mais recolhido, no interior das árvores e próximo do Museu do Mar - pois este, apesar de agora estar decadente, mais cedo ou mais tarde vai ser reconvertido. E não faz sentido ficar um museu lá dentro e outro cá fora", conclui.
O contrato entre Paula Rego e a Câmara de Cascais foi assinado a 17 de Agosto e prevê a cedência à autarquia de 59 desenhos, 34 gravuras e oito litografias, e o empréstimo de 16 quadros de sua autoria e outros quatro do seu primeiro marido, o inglês Victor Willing. O edifício deverá estar concluído até 2009 e custará 5,3 milhões de euros. Com Carlos Romero

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