A estrada sem fim

Tanto quanto sei, teremos a estreia de um novo filme de Fernando Lopes em 14 de Setembro. Será certamente o primeiro filme português da nova temporada. Intitula-se 98 Octanas (o título é um achado, de uma originalidade eficaz) e é aparentemente uma obra menor na produção de um cineasta notável (mas que quase sempre escolheu registos de curta respiração). Mas só aparentemente. Com sugestões de Diogo Lopes, e a colaboração sempre interessante de João Lopes, o Fernando deu-nos uma obra extremamente pessoal por onde perpassam (estas coisas são inevitáveis em qualquer filme de autor) fantasmas, obsessões, prazer dos lugares e das situações.98 Octanas é uma espécie de road movie ao longo de uma estrada sem fim e com um tema da perseguição que facilmente se esbate. Podemos dizer que não existe intriga, ou que ela se reduz bastante e que o importante são as relações entre as personagens. Dum lado, temos Rogério Samora, no seu estilo de dandy intelectualizado. Do outro, mais próxima da natureza e do instintivo, Carla Chambel que eu (certamente a falha é minha) não me lembrava de ter visto em cinema. Aqui tem uma presença dura que se vai amaciando ao longo do percurso. Mas o seu rosto possui uma força impressionante, que parece romper a própria tela. E a sua voz também.
E o filme fundamenta-se sobretudo na história de amor entre os dois, no modo como aprendem a viajar ao longo de paisagens muito diversas, e sobretudo na forma como vão fintando o próprio cinismo com que vivem para passarem a viver do outro lado das coisas, onde elas são transparentes e luminosas. É essa reconversão (que tem os seus lugares-comuns) que dá origem a alguns diálogos de resposta pronta e aguçada, ou no limite da cedência à sua própria verdade, e que fazem parte da tradição do diálogo americano que tanto marca a formação de qualquer cineasta ou os gostos específicos de um crítico como João Lopes.
Mas o filme vai correndo como correm estes filmes, isto é, com pequenos acidentes de percurso que fazem que os protagonistas, cercados por uma espécie de ameaça, criem progressivamente o seu universo próprio, contra-universo em oposição ao universo social comum. E é aqui que o filme se demora em torno da personagem da avó dela, uma extraordinária Márcia Breia, que habita uma aldeia praticamente esvaziada de gente e assim cria um dos seus grandes papéis em cinema. A sua alegria, a sua compreensão acolhedora da neta, a sua energia física e mental, a sua cozinha, o seu desejo de dançar criam uma atmosfera sedutora e contagiante.
Resta acrescentar que tudo isto nos chega envolvido na música belíssima de Bernardo Sassetti, que é cada vez mais o compositor do actual cinema português. Esperemos por 14 de Setembro para o reencontro com uma obra da qual nos sentimos facilmente cúmplices. Professor universitário

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