Waterboys foram resistentes românticos, São Bob Geldof não teve nada para dizer

Se Sir Bob Geldof tinha ainda algumas dúvidas quanto à sua relevância musical na actualidade, elas devem ter ficado desfeitas na noite de sexta-feira, com a (não)afluência de público ao Pavilhão Atlântico, e mesmo as poucas centenas de pessoas que aí se deslocaram iam basicamente para ver os Waterboys, os outros cabeças de cartaz, em igualdade de estatuto com São Bob. Quase exactamente um ano depois de ter organizado o Live 8, Geldof passa de estar frente a centenas de milhares de pessoas no Hyde Park de Londres com os reunidos Pink Floyd para tocar numa sala lisboeta triste na sua nudez. Musicalmente? Oscilou entre o êxito do seu grupo de new wave de finais dos anos 70/princípios dos 80, os Boomtown Rats, e os não êxitos da carreira a solo. Dos Rats - e com o baixista original Pete Briquette em palco! - tocou I don"t like mondays, o improvável número um pianístico-niilista, o pop de When the night comes, e uma incursão tão, tão anos 80 no white reggae de Banana republic. A abrir e a fechar o concerto, The great song of indifference - dedicada "de Inglaterra para [Cristiano] Ronaldo" -, em versões demonstrativas das características da carreira a solo de Geldof: folk fraquinha (com violino, sim), refrão tra-la-lável, mas sempre com um tom de voz pouco agradável, pouco maleável, e imagem física de quem não tinha nada a dizer. Mantém-se vivo devido à sua condição de santo.
Já os Waterboys, que são o projecto de sempre do escocês Mike Scott (com o seu inevitável boné preto a tapar os caracóis, parece o mesmo jovem de 1982), fizeram uma viagem planante por uma carreira que começou no indie-rock, passou pela bombástica big music e acabou no celta irlandês. Na sexta-feira, com formação a incluir órgão e violino - do seu lugar-tenente de duas décadas Steve Wickham -, percebeu-se a dificuldade de juntar inputs tão diversos sob um mesmo género de arranjos, e ao vivo numa sala conhecida pelas dificuldades acústicas. Os temas da fase irlandesa, como When ye go away, Fisherman"s blues ou o comovedor And a bang on the ear, deram-se bem. Já os mais rockeiros, como Glastonbury song ou The pan within, este com demasiados solos, perderam identidade.
A boa surpresa acabou por vir de uma versão apenas em piano e voz de Don"t bang the drums, e de uma raríssima incursão no álbum A Pagan Place (82), com Red army blues, história de um jovem soldado russo na Segunda Guerra Mundial. Uma canção nova surgiu, mas mostrou que seria sempre um anacronismo: Scott nunca deixou de se colocar algures entre o pintor boémio e o combatente republicano, e tocar estas canções sentidas é um último acto de resistência, e de homenagem a um tempo romântico que acabou.

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