Torne-se perito

Cérebro de doente que saiu de coma reparou ligações entre neurónios

Estudo avalia modificações cerebrais de homem que passou 19 anos num estado de consciência mínima

Em Junho de 2003, depois de passar 19 anos sem se mexer nem comunicar, Terry Wallis despertou do seu torpor e pediu à mãe que o virasse. No dia seguinte, já pediu uma Pepsi. Era uma daquelas histórias milagrosas que de vez em quando enchem os jornais e as televisões. Mas o que se terá passado no cérebro de Terry Wallis para permitir este despertar? Uma equipa de cientistas estudou o caso deste norte-americano do Kansas e diz que o seu cérebro se auto-reparou, construindo novas ligações entre os neurónios.Wallis tinha 19 anos quando um acidente de automóvel o deixou num estado a que os cientistas chamam "consciência mínima". Apresentava outros comportamentos para além dos puramente reflexos e automáticos, típicos dos estados vegetativos permanentes (como o de Terry Schiavo, que andou nas notícias no ano passado, com o marido a querer desligar a máquina que a prendia à vida e os pais a oporem-se). Mas, mesmo assim, não conseguia mexer-se nem comunicar.
"Os pacientes comatosos que recuperam graças aos cuidados intensivos começam a acordar e a recuperar a consciência dentro de alguns dias ou semanas, ou entram num estado vegetativo. (...) O estado vegetativo pode ser uma transição para a recuperação ou, ao contrário do coma, que virtualmente nunca se torna crónico, pode progredir para uma condição de longo prazo, por vezes irreversível", escrevem Steven Laureys, Mélani Boly e Pierre Maquet, da Universidade de Liège, na Bélgica, num comentário que acompanha a publicação na revista Journal of Clinical Investigation do estudo do cérebro de Wallis feito pela equipa de Henning Voss, da Universidade de Cornell (Nova Iorque).
A esmagadora maioria da investigação nesta área é sobre as fases agudas de coma; há pouca que permita compreender o que se pode passar com os pacientes que permanecem em coma, e sobre os vários tipos de desordens da consciência, dizem os autores do comentário. Por isso o trabalho agora publicado é importante, sublinham.
Os investigadores analisaram Wallis oito meses após ter começado a falar, e novamente 18 meses depois. Antes de recuperar, nem sequer tinha sido visto por um neurologista, porque os pais não tinham dinheiro para pagar esse serviço.
Os cientistas de Cornell verificaram como se foi tornando cada vez mais fluente e capaz de movimento do lado esquerdo, e como continuava a sentir-se em 1984, com menos de 20 anos, sem assimilar o que se tinha passado.
Wallis foi submetido a vários tipos de exames de imagem, incluindo técnicas especiais de ressonância magnética nuclear. Os resultados foram comparados com os de outro paciente de 24 anos, que há seis estava num estado semelhante ao de Wallis, mas sem ter recuperado, e também com 20 pessoas saudáveis.
Os resultados foram intrigantes: os neurónios das zonas menos danificadas do cérebro de Wallis foram criando novas ligações com outros neurónios. O crescimento de novas fibras, chamadas axónios, através das quais os neurónios transmitem informações uns aos outros, pode ter permitido recuperar funções de controlo motor e de uso da linguagem. Processos equivalentes foram já observados no cérebro de primatas, escreve a equipa.

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