Casa do mineiro de São Domingos passa a pólo museológico

150 ANOS DE HISTÓRIA

Num espaço com 16 metros quadrados de superfície, o agregado familiar dos "toupeiras" dormia, cozinhava e partilhava a intimidade

A Câmara de Mértola inaugura hoje o Centro de Documentação da Mina de São Domingos, o primeiro pólo permanente que integra o museu destinado a preservar o que resta de 150 anos de história daquele couto mineiro, e que vai retratar na sua dimensão física e humana, a casa de quem trabalhava na mina.O lar dos mineiros ocupava uma superfície de 16 metros quadrados, independentemente do agregado familiar, que em grande parte dos casos era composto de cinco, seis e até mais pessoas. Na realidade, tratava-se apenas de um quarto, onde a família do mineiro dormia, cozinhava e partilhava a intimidade familiar, "com os seus objectos, as suas memórias, os seus símbolos e as suas carências", realça uma nota do município de Mértola.
Testemunha deste mundo foi o escritor Ferreira de Castro, que em 1929 se deslocou à mina de São Domingos para fazer uma reportagem para o jornal "O Século", alertado por um apelo desesperado das "toupeiras", e escreveu depois sobre as galerias "deficientemente entivadas [escoradas]" e sobre os constantes acidentes que faziam com a que "a morte faça parte" de um dia a dia marcado por uma "fabulosa miséria".
Ferreira de Castro, que foi impedido pela direcção da mina de entrar no seu interior, percorreu demoradamente o bairro mineiro - do qual restam hoje apenas alguns vestígios -, constatou como as mulheres dos mineiros eram "produtoras dum heroísmo quotidiano", mas incapazes de igualar "as suas outras irmãs alentejanas, que mantêm as casas populares mais asseadas e mais esteticamente ordenadas". O escritor verificou como lhes faltava espaço e relatou: "Não é numa tulha que a estética floresce, tão pouco num velho depósito de trapos", onde "os olhos carecem de alguma distância para avaliar os objectos".
Ferreira de Castro viu como as crianças se arrastavam pelo chão, "com o seu quê de rãs na lama de um charco", em quartos exíguos, escuros, cobertos de fumos e impregnados dos cheiros comuns à pobreza mais extrema. Olhando as mães, deparou-se com figuras "acanhadamente silenciosas" e escreveu que, enquanto as olhava, sentia-se "sufocado".
Não será certamente este ambiente, nos seus aspectos mais dramáticos, que a Câmara de Mértola está a recuperar para os dias de hoje. Mas mesmo assim vai "procurar conceber a vivência diária de uma família dentro daquele espaço". É esse o compromisso que assume com a materialização deste primeiro pólo do Museu da Mina de São Domingos, que perseguirá, a partir de agora, um outro objectivo: transformar o quarto do mineiro, num Centro de Documentação destinado à recolha, arquivo, estudo e tratamento de todo o tipo de documentação relacionado com a mina. O projecto foi financiamento pelo programa comunitário Interreg III.

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