Bolonha e a crise das instituições de ensino superior

1Bolonha chegou finalmente! Apesar de o processo só ter de estar generalizado até 2008/2009, apesar de o decreto-lei só ter sido publicado em 24 de Março e as normas técnicas para apresentação das propostas não terem sido publicadas até 31 de Março, data em que terminou o prazo para entrega de propostas de adequação e criação dos cursos, 821 propostas de licenciaturas foram, ainda assim, enviadas ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). Isto significa que mais de metade da oferta formativa de cursos de licenciatura, caso as propostas venham a ser aprovadas, estará, já em 2006/2007, formatada de acordo com a declaração de Bolonha.Se algumas destas universidades e politécnicos apostaram na apresentação generalizada do formato de Bolonha, outras esperaram "para ver". A principal justificação apresentada pelos responsáveis destas últimas foi a falta de informação atempada por parte da tutela. Temo que os meses perdidos a discutir o número de anos em cada ciclo tenham feito esquecer a razão primeira do processo de Bolonha. Temo que a oferta de formações a 31 de Março possa ter sido apenas uma mera compactação das licenciaturas de cinco para três anos, e que as propostas apresentadas não contemplem a alteração do modelo de ensino/aprendizagem. Temo que, no caso das instituições que não apresentaram propostas, isso as coloque numa situação muito desvantajosa. Obter o mesmo grau académico em cinco anos ou em três é uma diferença muito relevante para os alunos e suas famílias.

2. Os politécnicos e universidades enfrentam uma das maiores crises de sempre: a quantidade de vagas é superior ao número de candidatos. Uma das razões apontadas é a baixa taxa de natalidade. Que poderemos fazer para garantir a sustentabilidade das instituições de ensino superior? Nalgumas situações não haverá, a curto prazo, outra alternativa que não o encerramento, sobretudo se o único critério do MCTES for o número de alunos em primeira inscrição ser superior a 20. As universidades e politécnicos deverão investir no combate ao abandono escolar já no ensino básico, mas este combate não pode limitar-se a iniciativas isoladas; deve ser uma estratégia governamental, e obriga ao "casamento" dos Ministérios da Educação e do da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Dados da Comissão Europeia revelam que só 47,2% dos portugueses entre os 20 e os 24 anos têm habilitações iguais ou superiores ao 12.º ano, quando a média europeia é de 74% e a dos novos Estados-membros é de 88,3%. E cerca de 41% da população portuguesa entre os 18 e 24 anos só possui o 9.º ano. O abandono neste nível é muito superior ao da UE (18,1%) e ao dos novos Estados-membros (7,5%). Penso que não bastará alargar a escolaridade obrigatória para 12 anos, o que apenas levará ao abandono em idade mais tardia, se não for definido, disponibilizado e divulgado um percurso de progressão, do básico ao superior, que sustente e possibilite aos jovens a escolha e a construção das suas carreiras profissionais. Será fundamental alterar o modelo de ensino/aprendizagem nos diversos níveis de ensino e definir estratégias formativas para os que querem seguir estudos superiores e para os que optem pela via profissionalizante.
Deve ainda investir-se no combate ao insucesso e abandono ao nível do ensino superior. Dados do Observatório da Ciência e Ensino Superior (2003) revelam que 40,6% dos alunos não terminam os seus estudos no período do respectivo ciclo formativo e que, nos cursos de Engenharia, o insucesso, que potencia o abandono escolar, é bastante superior à média nacional.
Penso que os alunos, quando escolhem um curso de Engenharia, não o fazem porque gostem de Matemática ou de Física; fazem-no porque têm um ideal da profissão. Quando enfrentam o árido 1.º ano de disciplinas básicas e não encontram uma só disciplina que os ligue à profissão que idealizaram, sentem-se desencorajados. Seria importante, por isso mesmo, incluir logo no 1.º ano unidades curriculares da especialidade.
Para além disso, os docentes têm que ter em conta o perfil dos alunos do ensino superior. Há alunos que apreendem mais facilmente os conceitos abstractos, e outros que necessitam de visualizar a utilidade do conceito para o poderem apreender. E a grande maioria dos alunos enquadra-se neste último perfil. É necessário mudar os modelos tradicionais de ensino e ir ao encontro de um dos princípios fundamentais de Bolonha, que é a utilização de um modelo de ensino/aprendizagem centrado no aluno.

3. Citando Vital Moreira, temos vindo a assistir à politecnização das universidades e à universitização dos politécnicos. Penso que os dois sistemas devem coexistir, mas há que definir sem ambiguidades o âmbito formativo e as competências de cada um. Pela escassez de candidatos, algumas universidades leccionam agora cursos que eram e são claramente do âmbito do ensino politécnico, e outras passaram a poder ter sob a sua tutela os dois tipos de formação. Tudo foi permitido nesta competição entre instituições públicas, dado o seu elevado grau de autonomia.
A criação das licenciaturas bietápicas no ensino politécnico, acabando com o estágio obrigatório no final do bacharelato, que integrava profissionalmente os alunos de forma mais precoce do que as universidades, mas mais ao encontro das necessidades do mercado de trabalho, teve como principal efeito tornar ridícula a denominação de bietápica, dado que os actuais bacharéis podem ir para o 2.º ciclo sem quaisquer restrições, excepto a de não terem disciplinas em atraso. No caso de algumas Engenharias, isto levou também a que disciplinas básicas fossem leccionadas no 2.º ciclo para ir ao encontro das competências que a Ordem dos Engenheiros exigia para o reconhecimento desses cursos. Estamos ainda a tempo de mudar esta situação. Julgo, aliás, que o modelo de Bolonha e as licenciaturas de três anos se adaptam melhor ao ensino politécnico, mais profissionalizante, do que ao modelo universitário, de natureza mais conceptual.
Na Alemanha e na Finlândia procederam recentemente à mudança de designação de Instituto Politécnico para Universidade de Ciências Aplicadas, mantendo claramente distintos, relativamente às universidades clássicas, os objectivos de aprendizagem e respectivas competências. Penso que também deveríamos alterar a designação de Instituto para Universidade Politécnica, mantendo a designação "politécnica" como diferenciadora dos modelos de ensino, para acabar de vez com o preconceito de alunos e familiares, que muito penaliza os institutos politécnicos e as suas escolas. Este preconceito reside sobretudo na designação "instituto", que o senso comum associa aos antigos institutos e escolas industriais e comerciais, que não conferiam grau académico superior.
Professora coordenadora da Escola Superior
de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico
de Viana do Castelo

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