Quatro galerias descontentes com o Porto abrem espaços em Lisboa

A descentralização é um mito, dizem
os responsáveis
pela Fernando Santos, a Graça Brandão,
a Presença e a Quadrado Azul

Primeiro foi a Galeria Fernando Santos que, em Outubro, inaugurou na Rua de São Paulo, no Cais do Sodré, uma extensão lisboeta da sua sede da Rua de Miguel Bombarda, no Porto. Hoje mesmo a Graça Brandão faz o mesmo em 600 metros quadrados da antiga sede do Diário Popular, na Rua dos Caetanos, no Bairro Alto. No princípio de Junho, é a vez de a Presença chegar à Rua de Santo Amaro à Estrela, por detrás da Assembleia, e, entre Setembro e Outubro, a Quadrado Azul abre portas no Largo de Stephens, na Rua das Flores. A movimentação portuense rumo à zona histórica de Lisboa não é articulada, mas a motivação é comum: insatisfação com a forma como a Câmara Municipal do Porto tem vindo a tratar os galeristas da cidade.
"Houve um momento de grande boom, mas tudo o que se fez na Porto 2001 caiu em saco roto", diz José Mário Brandão, da Graça Brandão. Para este profissional, é o esgotar de uma bolha de oxigénio e a constatação de que a capital continua a ser o centro de todas as grandes decisões: "À excepção de Serralves e da Casa da Música, todas as grandes instituições estão em Lisboa, mesmo os bancos. A descentralização é um mito", diz.
A trabalhar com uma carteira de 26 artistas, a Graça Brandão representa nomes nacionais e internacionais como Lygia Pape, Rita McBride, Sam Samore, João Tabarra ou Rui Chafes. Vinte e três dos 26 artistas da galeria estarão representados na primeira exposição do novo espaço, a inaugurar hoje, às 21h, na zona onde já funcionam o Conservatório Nacional, o Fórum Dança, a Galeria Zé dos Bois, o Museu do Chiado e onde, para 2007, está anunciada a abertura do novo Museu do Design e da Moda.
Segundo José Mário Brandão, antes da inauguração, a sua nova galeria já teve uma visita do vereador da Cultura da Câmara de Lisboa, José Amaral Lopes.
Depois de 25 anos em que foi responsável pela Nasoni/Atlântica e a Canvas, Brandão diz que não conhece o vereador da Cultura da Câmara do Porto. "O de Lisboa não deu dinheiro, mas pôs o [Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa] Simplex a apoiar a galeria e deu palavras de incentivo. As palavras são importantes."
"No Porto, desmotivámo-nos pelo desinteresse do poder local. Não há diálogo", diz Fernando Santos, da galeria com o mesmo nome e que representa artistas como Álvaro Lapa ou Alberto Carneiro.
Segundo este profissional, os responsáveis políticos "não perceberam" que o Porto só tem a ganhar com o núcleo forte de galerias que, a partir de 1997, se reuniram espontaneamente na Rua de Miguel Bombarda. Mais. Diz que a cidade "não tem um projecto cultural".
Segundo Manuel Ulisses, da conhecida galeria Quadrado Azul, que trabalha com nomes como José Pedro Croft ou Rui Sanches, nem sequer se trata de atribuir apoio financeiro, uma vez que as galerias em questão são espaços comerciais. Trata-se "de coisas tão simples como não dificultar": "No Porto, temos que pagar uma renda anual para pôr os nossos nomes na porta e bandeirolas a anunciar as exposições. Isso não acontece em Lisboa, onde a câmara paga e envia convites, e até tem autocarros organizados para fazer o circuito das inaugurações".
Apesar de um abrandamento do mercado no Norte nos últimos anos, qualquer destes galeristas recusa motivos comerciais para a sua instalação em Lisboa, a não ser a necessidade de estarem mais próximos de artistas sediados na capital e de estes serem apresentados a comissários e coleccionadores nacionais e internacionais que não vão ao Porto.
"Estamos cansados. Sentimos que fizemos um esforço enorme que caiu na indiferença", diz Maria de Belém, da Presença, referindo-se ao projecto da Rua de Miguel Bombarda, que continua à espera de obras de requalificação. A trabalhar com nomes como Pedro Cabrita Reis ou Helena Almeida, Maria de Belém diz que "também é evidente que, em Lisboa, há mais público e as pessoas estão mais abertas à arte contemporânea". O Norte, diz Fernando Santos, "está a perder tudo": "Perdeu poder económico e está cada vez mais fechado. O Porto está uma cidade degradada, pobre e triste".

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