São Paulo tornou-se metrópole com uma história a duas velocidades

Uma das maiores cidades do mundo foi, durante três séculos, uma terra isolada num planalto de difícil acesso; mas expandiu-se imparavelmente a partir do século XIX.
Na semana que passou conheceu a pior onda de violência da sua história

Não fossem os índios, que há muito já viviam no Brasil antes de 1500, e a cidade de São Paulo provavelmente não existiria. No alvor do século XVI, não havia alternativa possível aos jesuítas que não seguir os trilhos indígenas para vencer a serra do Mar, uma barreira de 700 metros de altura, forrada com uma floresta impenetrável, que se eleva diante do litoral paulista.Foi dessa forma que os padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta chegaram ao planalto de Piratininga e rezaram uma missa, dia 25 de Janeiro de 1554, numa pequena elevação à beira de um rio. Nasceu assim o germe de uma das maiores cidades do mundo, que 452 anos depois enfrentaria a sua pior onda de violência.
Nos primeiros três séculos da sua história, nada fazia prever que seria esse o futuro de São Paulo. Isolada dos centros de decisão, a cidade permaneceu confinada a uma colina entre dois cursos de água, o rio Tamanduateí e a ribeira de Anhangabaú. A área é hoje conhecida como o "triângulo histórico".
Mas o século XIX tudo mudou, sobretudo quando se começou a plantar café no interior e se construiu uma ligação ferroviária até ao porto de Santos, através da serra do Mar. Inaugurado em 1867, o caminho-de-ferro funcionou como um eixo de riqueza. Levava o café do interior para o litoral. Trazia, na volta, o luxo importado da Europa. E transportava a aristocracia cafeeira, que podia assim passar mais tempo na capital, sem descurar as suas herdades no interior.
O comboio também trouxe os imigrantes, que vieram substituir a mão-de-obra escrava, abolida no Brasil em 1888. São Paulo tornou-se cosmopolita, com muitos artesãos e mestres de ofícios estrangeiros a fixarem-se na cidade.

Construir em cima do passadoEntre meados do século XIX e meados do século XX, São Paulo teve uma evolução imparável, reinventando-se em curtos lapsos de tempo. Foram "três cidades em um século", como definiu o arquitecto Benedito Lima de Toledo, num livro de 1981.
A cidade dos colonizadores, com casas de taipa, deu lugar à cidade burguesa, com belos palacetes de alvenaria. E esta deu lugar à cidade industrial, com fábricas, edifícios altos e betão.
As transformações ocorreram no mesmo espaço, destruindo-se tudo o que lá havia para construir o que viria a seguir. De tal modo que São Paulo é, hoje, uma metrópole com poucos registos arquitectónicos do que era a cidade há 150 anos ou mais.
Nunca mais São Paulo parou de crescer. Hoje, está conurbada com 38 outros municípios, formando uma enorme selva de pedra, habitada por números superlativos (ver infografia). A Grande São Paulo tem quase 18 milhões de habitantes, que geram um produto interno bruto equivalente a 77 mil milhões de euros, mais de metade do PIB de Portugal inteiro.
É rica, mas também pobre. Mais de um milhão de paulistanos vivem em favelas. Este contraste é o pano de fundo da onda de violência da semana passada, que fez 170 mortos em confrontos da polícia com criminosos.
Num período normal, já chegaram a morrer assassinadas 15 pessoas por dia em São Paulo (2000). Hoje, a média está em seis por dia.

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