Gonçalo Ribeiro Telles "reinventa" jardim Gulbenkian meio século depois da sua criação

O arquitecto paisagista, que se define como um "pintor de paisagens", está há quatro anos a "actualizar" o parque em que não há "vistas monumentais", mas sim "cenários que se vão descobrindo pouco a pouco"

Quase meio século depois de ter terminado o seu projecto para o jardim Gulbenkian, o arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, prestes a completar 84 anos, foi convidado a "actualizar" o espaço que idealizou com Viana Barreto. O resultado do trabalho do "pintor de paisagens" está à vista, pronto a ser (re)descoberto pelos visitantes deste oásis no centro de Lisboa.A palavra "actualizar" é do próprio Ribeiro Telles, que prefere esta a qualquer outra porque, como sublinha ao longo de uma visita guiada pelo jardim, a tarefa que empreendeu nos últimos quatro anos foi apenas "recuperar a ideia básica" que presidiu à criação do espaço, que se tinha vindo a transformar com a passagem do tempo e com alguns erros de conservação.
A aposta foi consolidar a estrutura ecológica, valorizar panorâmicas, abrindo novos caminhos e lugares de estar. Para tal, o jardim foi dividido em cinco unidades de intervenção: Zona fronteira à entrada do edifício sede; área que se estende ao longo do Museu Calouste Gulbenkian; espaço junto à Avenida António Augusto de Aguiar; percurso entre o lago e o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, e, uma última, onde a intervenção foi significativamente menos visível, nas encostas Norte e Nascente do lago.
"Mantém-se a concepção original", garante o arquitecto paisagista, explicando que se trata de "um jardim mediterrânico, da cultura portuguesa, onde não há imitação do neoclássico nem do francês". Na prática isto significa que no jardim da Fundação Calouste Gulbenkian não há "vistas monumentais", mas sim "uma série de cenários que se vão descobrindo pouco a pouco".
Numa altura em que está prestes a terminar a "actualização" do jardim, Ribeiro Telles explica que este trabalho se tornou naturalmente necessário porque "um jardim é uma coisa com vida própria, que cresce e se desenvolve, não é um objecto morto". E acrescenta que "é bom" que a ideia original que presidiu à criação do espaço "possibilite a evolução, senão seria um mau projecto".
Sobre o futuro do jardim Gulbenkian, Ribeiro Telles afirma que "um ponto de chegada não há, por isso é que a arquitectura paisagista é diferente da arquitectura". É por isso que se apresenta como um "pintor de paisagens" e não como um "construtor" e se declara, mais do que orgulhoso do projecto que abraçou há quase 50 anos e ao qual se voltou agora a dedicar, "com saudades do futuro".
"Tenho pena do que não foi feito e já perdi completamente a esperança", diz, dando como exemplos o corredor verde de Monsanto, o corredor do Vale de Alcântara, o parque periférico e a dinamização de espaços consagrados à agricultura urbana com mercados locais anexos, projectos do arquitecto paisagista cuja concretização tem vindo a ser protelada pela Câmara Municipal de Lisboa.
Enquanto estiver por concretizar esta estrutura ecológica municipal, o que Ribeiro Telles diz que acontece por "ignorância, falta de vontade política e pressão dos interesses imobiliários", o jardim Gulbenkian vai continuar a ser "invadido" diariamente por grupos escolares demasiado numerosos, para os quais o espaço não tem capacidade.
Tudo, sintetiza num lamento, porque praticamente não existem alternativas ao oásis criado há quase meio século no centro de Lisboa. O pouco que existe além do jardim Gulbenkian, acusa Ribeiro Telles, são "jardins pífios à maneira do século XIX, de manutenção quase impossível e que não servem para nada senão para dar um pouco de verde e de oxigénio".

Sugerir correcção