Divino Sospiro, o grupo que nasceu numa Festa da Música

Orquestra barroca integra sobretudo músicos portugueses a estudar
no estrangeiro

Na Festa da Música de 2003, Massimo Mazzeo, músico italiano a viver em Portugal, andava pelos corredores do Centro Cultural de Belém quando, "naquele contacto directo que é muito bonito", um homem parou-o e perguntou-lhe: "Vocês de que agrupamento são?" "Eu, com um pouco de vergonha, porque tínhamos acabado de criar o grupo e ainda ninguém nos tinha ouvido tocar, respondi "Divino Sospiro"", conta Mazzeo. "O senhor, quase com lágrimas nos olhos, disse-me: "Fantástico, tenho todas as vossas gravações." Foi aí que pensei que tínhamos realmente escolhido o nome certo."Nascida em 2003, a orquestra barroca portuguesa Divino Sospiro teve agora honras de abertura da edição de 2006, dedicada precisamente ao Barroco. Ontem, às 18h, no primeiro concerto dos três dias do festival, os Divino Sospiro, sob a direcção de Enrico Onofri, e acompanhados pela soprano Orlanda Isidro e o cravista Fernando Jalôto, tocaram obras de Francisco António de Almeida, uma atribuída a Carlos Seixas e ainda um concerto de Scarlatti/Avison (repete hoje às 16h15 e amanhã às 10h).
Na quinta-feira, a orquestra ensaiava numa das salas do CCB. Num ambiente descontraído, roupas informais, os membros do grupo - composto "70 ou 75 por cento por portugueses", sublinha Mazzeo, mas que integra também pessoas vindas de outros países da Europa, nomeadamente italianos - afinavam os seus instrumentos barrocos, preparando-se para ensaiar a última peça.
O maestro Enrico Onofri dá a indicação e, de repente, todos se lançam, como se fossem arrastados por uma onda de energia, que os lança para a frente e para trás, em movimentos saltitantes. Onofri agita os braços no ar, franze a cara, muda de expressão constantemente, interpreta a música com o rosto, marca um momento de pausa, depois levanta novamente os braços, parece que vai voar.
Terminado o ensaio, Mazzeo e Onofri sentam-se para contar a - ainda curta - história dos Divino Sospiro. Tudo aconteceu "quase casualmente", diz Mazzeo, explicando que quando surgiu o desafio da Festa da Música em 2003 ele "já tinha vontade de fazer uma festa de música barroca". O pretexto do festival veio "forçar um pouco as coisas" e Mazzeo aproveitou a oportunidade.

A respiração da música"Estas coisas aparecem porque há necessidades pessoais, quase íntimas. Há uma vontade, uma estética que se quer concretizar", explica. "E talvez naquele momento em Portugal se tivessem reunido as condições certas, a possibilidade de ter jovens com estas capacidades, o não existir ainda um agrupamento com determinados critérios". Os músicos portugueses que integram a orquestra estavam quase todos a estudar no estrangeiro, porque "não é fácil estudar música barroca em Portugal".
Apesar de a primeira experiência ter corrido muito bem, depois da Festa da Música de 2003 o grupo fez uma pausa, porque "não era ainda o momento certo". Em Fevereiro de 2004, Mazzeo avançou de novo e pouco depois convidou Onofri, antigo concertino do prestigiado Giardino Armonico.
"Onofri é para mim uma referência estética. E, apesar de sermos um grupo muito pequeno, muito jovem e sem grandes possibilidades, ele aceitou." Onofri, sorriso aberto, olhos muito azuis, confirma: "Recebi o convite e foi alquimia."
O maestro insiste que é importante na orquestra o facto de existir uma "alma latina, do sul" e de mesmo os músicos que vêm do Norte da Europa terem origens latinas. Tudo isto tem a ver com uma palavra que Onofri e Mazzeo repetem: estética. "Enquanto latinos, italianos, vivemos cercados de uma estética que tem a ver com a arquitectura, a pintura. A música barroca é pura estética", diz o fundador do grupo.
"É uma estética ao serviço das emoções", acrescenta o maestro, explicando que o seu trabalho baseia-se na ideia de que é a respiração que vai conduzir à música, "é um contacto entre o interior do artista e o exterior".
Voltemos ao nome, porque, segundo Mazzeo, ele diz tudo. "A referência histórica [de Divino Sospiro] é da Idade Média, em que se quis retomar o sentido de a música ser a voz divina. Para mim ela é a respiração do universo."

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