Grandes esculturas de Ângelo de Sousa na Cordoaria

São esculturas em aço inox ou plástico que mostram uma faceta mais desconhecida do artista. Depois de várias antológicas e retrospectivas,
da pintura ao vídeo, faltava a escultura

São esculturas que esperaram 40 anos para serem executadas. Ângelo de Sousa, o artista que as concebeu entre 1965 e 1966, nunca tinha estado num espaço com tantas esculturas de grande dimensão feitas por si - "jamais de la vie", ironiza. Na Cordoaria Nacional, em Lisboa, estão 40 esculturas de Ângelo de Sousa, ao lado de 30 desenhos - a faceta mais conhecida deste artista multidisciplinar é a de pintor -, numa exposição comissariada por Nuno Faria, que hoje será inaugurada às 22h00. As esculturas, que ocupam os dois andares do Torreão Nascente, são quase todas em aço inox, embora também haja peças em plástico PVC.
Mas ver as suas esculturas materializadas - a maior chega a ter 13 metros de comprimento - também não é assim tão importante para Ângelo ("não mudou nada"), porque estas obras, de certa maneira, sempre existiram. Há 40 anos, o artista deu-lhes corpo em pequenas maquetas ou em projectos desenhados. Algumas destas maquetas estão em exposição no Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian, na antológica Ângelo de Sousa - Escultura, também comissariada por Nuno Faria. As duas exposições são, aliás, complemento uma da outra, e a da Cordoaria chama-se mesmo Ângelo de Sousa - Ainda Mais Escultura.

Uma escala prometida"A escultura do Ângelo não se cumpre só no espaço, cumpre-se também no projecto, seja em maqueta seja em desenho", diz Nuno Faria. "Tenho a impressão de que a parte projectual em si é suficiente. Mas na maqueta elas prometiam esta escala, e realizá-las é importante." Era uma "aspiração" de Ângelo, "que se cumpriu", explica o comissário.
Algo de semelhante aconteceu com um vasto conjunto de fotografias na antológica de filme, vídeo e fotografia no Museu de Serralves, quando o artista em 2001 "exumou", nas palavras de Nuno Faria, vários rolos antigos que "nunca tinham visto a luz do dia".
Quando se entra na Cordoaria, lembramo-nos imediatamente dos desenhos de Ângelo. "Pode ser desenho no espaço, a linha, a curva..." Mas o desenho está a montante das maquetas expostas no CAM, sublinha o comissário. "Elas têm inscritas em si uma manualidade, a possibilidade de fazer com as mãos. Não há uma imaginação que a priori defina estas formas tal como elas se materializam. Não é visualizável antes. Elas têm uma relação umbilical com o desenho", continua Nuno Faria.
Ângelo de Sousa, mais pragmático, tira o cinto das calças para mostrar que "o desenho nasce no próprio papel" ou que certas formas escultóricas são impossíveis de desenhar antes de nascerem. Faz dobras no cinto, torce-o, à imagem do que fez com as folhas de aço ou ferro que foram dobradas, cortadas, torcidas.
Entre 1964 e 1972, Ângelo de Sousa só fez praticamente escultura e fotografia (à excepção de um hiato em Londres), numa pesquisa que começou com o acrílico. A série da Cordoaria teve um início circunstancial - algo que o artista preza muito - com a manipulação do papel de prata dos cigarros. Passou pela folha de alumínio até acabar nas placas de ferro ou aço, pintadas ou não. Há também obras que exploram as tiras em aço inox, agora substituídas, devido à ausência do material no mercado, por fitas de plástico PVC.
Como as coisas têm muito a ver com a origem, "partiram da folha", as esculturas de Ângelo de Sousa "mostram ausência de volume", "são sempre um trabalho sobre um plano bidimensional", diz Nuno Faria. Se as maquetas expostas no CAM ainda estão muito próximas da manualidade - era possível fazê-las em atelier -, com estas esculturas isso tornou-se "materialmente impossível, porque ali estão 160 quilos", diz Ângelo de Sousa, apontando para uma escultura.
As esculturas em aço inox da Cordoaria foram feitas numa fábrica de metalomecânica na Maia. Nuno Faria sublinha que os modelos do CAM e as esculturas da Cordoaria são duas coisas muito distintas, sendo essa uma das razões (para além do espaço) porque não estão juntas: "Todo o processo deixa de ser quase inconsciente, tão imediato. É muito mais construído e lento. Deixa de ser feito com as mãos. Passam a ser coisas que têm já um modelo. As outras não tinham modelo nenhum, surgiam". Entre as duas exposições também há as duas visões distintas do artista e do comissário: "Para Ângelo, as maquetas não são auto-suficientes, enquanto para mim são".
"Está perfeitamente à vontade para mudar as coisas de posição", diz Ângelo de Sousa, mesmo sobre a enorme escultura que está no segundo andar, com 13 metros de cumprimento. Pega no modelo reduzido e troca rapidamente de posição as várias partes que compõem "este monstro de Loch Ness". Não há nenhuma obrigatoriedade de relacionar as partes entre si da mesma maneira, nem de colocar a escultura no espaço da mesma maneira. Pode mesmo ser apoiada no chão sobre outros pontos - "a minha escultura não está; pode, pode, pode...". Porque, diz o comissário Nuno Faria, "a escultura de Ângelo nunca se cristaliza".

Sugerir correcção