O papel de "Josu Ternera"

Tem 55 anos, diz-se que sofre de um cancro e que esteve recentemente em tratamento numa clínica francesa. O seu nome de baptismo é José António Urrutikoechea, conhecido por um mais fácil "Josu Ternera", como consta dos códigos da ETA. É, pura e simplesmente, um dos mais sanguinários etarras da história. E, paradoxalmente, ao que parece, defensor do fim do terrorismo.Nasceu na véspera de Natal de 1950, dirigiu os comandos da ETA nos anos 70 - a sua presença foi detectada em Madrid antes do atentado contra o presidente do Governo franquista, Carrero Blanco - e na década de 1980. Liderou o aparelho político etarra, decidiu purgas, atribuiu verbas e controlou os apoios legais dos terroristas. Com a morte, em 1987, de Txomin Iturbe, na Argélia, passou a "número um" indiscutível. Foi preso em 1989 em França e, um ano depois, condenado a dez anos de prisão. Em 1996 é extraditado para Espanha e, após o cumprimento do período máximo de prisão preventiva (quatro anos), em 2000 é posto em liberdade.
Apesar de estar na prisão, em 1998 fora eleito deputado basco por Euskal Herritarrok, uma das muitas "marcas de conveniência" do braço político da ETA. Protagonizou, então, um facto insólito: tomou posse da acta de deputado, entre guardas prisionais e rigorosas medidas de vigilância. Já em liberdade, outro sarcasmo, foi eleito membro da Comissão de Direitos Humanos do Parlamento basco. O então presidente do hemiciclo de Vitória, José Maria Atutxa, manifestou apreensão, quase nojo, mas o nacionalismo basco tradicional não passou da comoção aos actos.
"Josu Ternera", para escárnio da democracia, foi deputado. Até que, em 2000, começou a investigação de um processo que ainda o envolvia - o atentado em 1987 contra o quartel da Guarda Civil em Saragoça que provocou 11 mortos. Citado pelo Supremo Tribunal - a única instância que pode abrir diligências contra personalidades aforadas -, fugiu do País Basco em 2002. Entrou na clandestinidade em França.
Dois anos mais tarde, segundo algumas versões, reaparece como autor da carta dirigida, em Julho de 2004, ao recém-empossado presidente do Governo, Rodríguez Zapatero, no qual a ETA admite o seu final em troca de uma solução para os seus presos. Então, "Josu Ternera" já ganhou a direcção da ETA: em Janeiro daquele ano, comparece com "Mikel Antza", chefe do aparelho político, a uma reunião em Perpignán, no Sul de França, com Cardo-Rovira, da Esquerda Republicana da Catalunha, e recém-empossado "conseller en cap" - número dois - do Governo catalão. Após o encontro, a ETA anuncia o fim dos atentados na Catalunha.
O "histórico", nalgumas versões em articulação permanente com Arnaldo Otegi, desembarca numa ETA repleta de militantes oriundos da kalle borroka, a violência urbana decalcada da Intifada palestiniana. Quem então dirige os comandos é um jovem de Bilbau, de pouco mais de 30 anos: Garikoiz Azpiazu Txeroki. Um homem assediado pela polícia, que por diversas vezes falhou a sua detenção, e solitário, após a prisão da sua companheira sentimental. E um líder pela "queda" sucessiva de outros.
Sem rivais, "Josu Ternera" toma a direcção de uma organização de "imberbes". E, segundo parece, ganhou a aposta. O seu filho, Egoita, da direcção do Batasuna, desapareceu há alguns meses de Euskadi e trabalha com o pai. A voz feminina escondida detrás de um capuz branco que, na passada quarta-feira, lia num teleponto o comunicado que anunciava o "cessar-fogo permanente " é atribuída pela polícia espanhola a Ainhoa Ozaeta Mendikine, antiga dirigente de Herri Batasuna - "marca branca" do braço político da ETA - e colaboradora de "Josu Ternera". Nuno Ribeiro, Madrid

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