Torne-se perito

De líder da nação sérvia a réu no Tribunal de Haia

Mestre da sobrevivência política, Slobodan Milosevic será recordado como um dirigente autoritário e implacável para com os seus adversários. O seu nome ficará associado ao trágico capítulo final da desintegração da Jugoslávia. Mas também como interlocutor dos responsáveis internacionais para a resolução das crises, e quase até final do seu conturbado percurso.

Durante muito tempo, a Sérvia ficará associada a um nome, que nos finais do século XX consegui destronar o jovem sérvio bósnio Gravilo Princip, que matou em 1914 o arquiduque austro-húngaro em Sarajevo, da galeria dos "símbolos nacionais". Para muitos, Slobodan Milosevic era a Sérvia, mesmo quando acusado de ser um oportunista e o principal fomentador da tragédia jugoslava. Milosevic foi sem dúvida um sobrevivente político que conseguiu tornar-se no único dirigente de um ex-Partido Comunista do Leste europeu que sobreviveu ao colapso do regime sem perder o poder. Era capaz de tudo em nome de um único objectivo: o seu poder pessoal. Mestre na manipulação da linguagem, encarava os seus opositores com desprezo e era incapaz de partilhar o poder, à excepção de circunstâncias muito particulares.
Nunca um político sérvio foi tão amado ou odiado entre os seus. Ou respeitado como grande rival e inimigo, pelas massas populares e restantes nações jugoslavas. Considerado como um "criminoso de guerra", "assassino" ou "carniceiro dos Balcãs" por muitos líderes mundiais, estes tinham-no como o único parceiro com quem era possível negociar acordos. Sucedeu assim na Bósnia-Herzegovina (1995), como no Kosovo (1999).
Com o sangrento desmembramento da Jugoslávia titista, Milosevic decidiu formar a terceira Jugoslávia, composta apenas por duas das seis antigas repúblicas da Federação, Sérvia e Montenegro, e que permaneceu o maior Estado da região (11,1 milhões de habitantes) dominado pela etnia sérvia (63 por cento).
Slobodan era o mais novo dos líderes nacionais da antiga Jugoslávia quando a crise começou. Nasceu em 20 de Agosto de 1941 na cidade de Pozarevac (Sérvia Central, 100 quilómetros a Sul de Belgrado), filho de professores vindos do Montenegro, e exactamente no início do período de ocupação nazi da Sérvia.
O seu pai, Svetozar, deixou a família logo no início da guerra e regressou ao Montenegro, pelo que ficou com o irmão Bora entregue aos cuidados de sua mãe. Teólogo no reino da Jugoslávia antes da Segunda Guerra Mundial, o seu pai abandonou a Igreja ortodoxa para se tornar professor de língua russa e suicidou-se em 1962. Dez anos mais tarde a mãe enforca-se em casa, e um tio de Milosevic, irmão da mãe e general do Exército jugoslavo, também se suicida.
A sua personalidade será determinada pela relação sentimental que manteve desde o liceu em Pozarevac com Mirjana Markovic, com quem casou e que será a mulher da sua vida. Neste período Milosevic tornou-se membro do Partido Comunista ainda era estudante liceal e mais tarde, na faculdade de Direito de Belgrado, foi eleito responsável pela organização local da Liga dos Comunistas.
Mas o mais importante ponto de viragem na sua vida surge com a relação de amizade estabelecida com Ivan Stambolic, um estudante mais velho da mesma faculdade. Filho de uma destacada família comunista da Sérvia, Stambolic convence "Slobo", como era conhecido entre os amigos, a iniciar uma carreira politica. E quando Stambolic é designado presidente da República da Sérvia em 1987, Milosevic substitui-o na influente e decisiva função de dirigente máximo do Comité Central.
Os primeiros sintomas de alarme, e de mal-estar, começam então a revelar-se: a sua candidatura foi contestada por um grupo de jovens dirigentes "liberais" e "reformistas" do partido, também protegidos de Stambolic, que consideravam Milosevic um "brutal e ambicioso carreirista com aspirações ditatoriais".
Confrontado com a oposição dessa "ala liberal" (reformista), decidiu esmagar os seus adversários. Para isso, utilizou a delicada questão da província sérvia do Kosovo, acusando os seus opositores de "negligência" na abordagem da situação. Em 24 de Abril de 1987 deslocou ao Kosovo, e em Kosovo Polje dirigiu-se a milhares de sérvios em fúria, revoltados com o "esquecimento" de Belgrado. "Não se preocupem, serão protegidos. O Kosovo é parte integrante da Sérvia e não permitirei que alguém vos volte a bater".
O "efeito Kosovo" permite a Milosevic cilindrar todos os seus opositores. Representante da "linha dura", promete ainda "recuperar a dignidade nacional da Sérvia", e com esta abordagem ganha a confiança dos sectores nacionalistas e desencadeia uma campanha de cariz populista.
A autonomia constitucional do Kosovo e da Voivodina, uma herança do titismo, foi abolida. Nas primeiras eleições presidenciais livres na Sérvia, em Novembro de 1989, Milosevic é eleito com 65 por cento dos votos. O seu Partido Socialista da Sérvia (SPS, ex-Liga dos Comunistas da Sérvia) também vence as primeiras eleições multipartidárias.
Janeiro de 1990 assinala o fim da Jugoslávia federal, quando os delegados eslovenos e croatas abandonam o XIV Congresso da Liga dos Comunistas da Jugoslávia. E após convencer-se de que não seria possível a preservação de uma nova Jugoslávia sob a sua liderança, na sequência das intenções independentistas na Eslovénia, Croácia, Bósnia-Herzegovina e mesmo da Macedónia, decide aderir à lógica de partilha da federação, mas defendendo de forma intransigente - e brutal - as populações sérvias espalhadas por todo o território.
Mas "Slobo" acabará por aceitar todas as propostas de paz internacional: o plano Vance para a Croácia, o Vance-Owen para a Bósnia-Herzegovina, o posterior acordo de Dayton, e já em 1999 o acordo de Kumanovo sobre o Kosovo, ganhando o epíteto de "maior perdedor" de todos os líderes da ex-Jugoslávia.
No período pós-Dayton, os media estatais controlados pelo regime passam a enaltecer Milosevic no seu "papel crucial de construtor da paz", e a repetirem que a Sérvia insistia "na comparência de todos suspeitos de crimes de guerra perante a justiça". Uma alteração radical da sua imagem, e comportamento.
Ao contrário do que era habitual, e desde o início de 1996, deixou praticamente de discursar em público, de comparecer no Parlamento ou de conceder entrevistas. Começou apenas a ser visto ocasionalmente em breves cerimónias protocolares transmitidas pela televisão, perante comitivas estrangeiras.
Tornou-se cada vez mais num homem só, e que apenas garantia a confiança ilimitada de sua mulher Mirjana. Após a assinatura do acordo de Dayton, foi mesmo forçado a demitir alguns dos seus mais próximos colaboradores e amigos, que não entenderam a sua atitude. Acabará derrubado em Outubro de 2000, por uma multidão que contestava os resultados das eleições presidenciais. Cada vez mais só, será extraditado para Haia em Junho de 2001, por ordem do novo poder de Belgrado, e em Fevereiro do ano seguinte teve início o seu julgamento, que deveria ficar concluído no final deste ano.

Nasce em 20 de Agosto de 1941 em Pozarevac
Lider da Liga dos Comunistas da Sérvia em 1987
Eleito Presidente
da Sérvia em 1989
Em 1995 assina o acordo de paz de Dayton para a Bósnia
Presidente da Jugoslávia (Sérvia e Montenegro) em 1997
Em Junho de 1999 aceita o acordo de Kumanovo que fecha a guerra do Kosovo
Em Outubro de 2000, após maciços protestos em Belgrado, aceita a derrota e demite-se.
Em Junho de 2001 é extraditado para Haia

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