Retirada de queixa contra Rio provocou demissão no Ippar

Inquérito judicial prossegue para analisar a conduta do presidente da Câmara do Porto ao embargo do Túnel de Ceuta

O arquitecto João Rodeia, que deixou a presidência do Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar) há poucos meses, considerou ontem "uma tristeza" a demissão em bloco da Direcção Regional do Porto do instituto, por considerar os seus responsáveis "dos melhores entre os melhores". A principal razão da demissão da Direcção Regional do Porto, na quarta-feira, terá sido o pedido do novo presidente do instituto, Elísio Summavielle, para retirar uma queixa-crime contra a Câmara Municipal do Porto (CMP), o que aconteceu há duas semanas.
A queixa tinha sido apresentada há nove meses pelo Ippar, ainda no tempo de Rodeia, contra o presidente da CMP, Rui Rio. O Ippar alegou que o autarca tinha desrespeitado o embargo das obras para prolongar o Túnel de Ceuta junto ao Museu Nacional de Soares dos Reis, um edifício classificado. A ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, defendeu então a posição do Ippar e entrou em conflito aberto com Rui Rio.
Há um mês, já com Elísio Summavielle, o Ippar chegou a acordo com a CMP, numa solução para a boca do túnel que difere em muito da defendida pela Direcção Regional do Porto. Na sequência do acordo, foi retirada a queixa.
Ontem, o director do Ippar Porto, Lino Tavares Dias, no cargo há oito anos e que passou por Governos de várias cores políticas, continuava sem querer comentar a sua demissão. Juntamente com Tavares Dias, demitiram-se os chefes das duas divisões da direcção regional, Miguel Rodrigues e Margarida Lencastre. Summavielle disse anteontem que compreendia a demissão, porque a direcção se sentiu "legitimamente ultrapassada" com a solução final.
Rodeia considera "inexplicável e inexplicado" o volte-face do Ministério da Cultura e da presidência do Ippar, evocando duas razões. A cedência do ministério e do Ippar, "após uma polémica tão desgastante", "desautoriza e retira qualquer margem de manobra negocial da direcção regional em situações idênticas no futuro próximo, inibindo o respectivo quadro de missão".
A segunda razão de Rodeia, que se tinha escusado a comentar outras situações, "é patrimonial e arquitectónica": "A cedência à pior solução para o remate do túnel, entre as várias possíveis, desvaloriza a dimensão patrimonial do edifício do museu e a dimensão espacial inscrita na respectiva Zona Especial de Protecção, inviabilizando a melhor configuração para um novo espaço público urbano".
Mas terá sido o facto de o processo judicial contra Rui Rio continuar a decorrer, com os técnicos da direcção regional a terem de prestar declarações, ainda na semana passada, no Departamento de Investigação e de Acção Penal (DIAP) do Porto, que tornou insustentável a situação. Os técnicos são testemunhas num processo que não pode ser arquivado liminarmente, por se tratar de um crime público, apesar de o novo presidente do Ippar ter retirado a queixa-crime. Rio continua a ser alvo de inquérito judicial por desobediência e danos ao património cultural no DIAP do Porto, onde foi constituído arguido a 22 de Fevereiro.
A investigação prossegue para analisar a conduta de Rio relativamente ao prosseguimento das obras do Túnel de Ceuta numa altura em que tinham sido embargadas pelo Ippar. O procurador deverá averiguar se o comportamento do autarca é ou não susceptível de censura penal: ou seja, se não respeitou a ordem para paralisar os trabalhos no Túnel de Ceuta ou se a entidade que o intimou tinha ou não legitimidade para emitir aquela ordem e se a transmitiu à câmara de forma regular.

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