México assume "guerra suja" contra a esquerda nos anos 60 e 70

Unidades especiais obrigaram detidos a beber gasolina ou lançaram-nos ao mar

O procurador que investiga a "guerra suja" dos anos 60 e 70 do século passado contra a esquerda no México admitiu que a polícia e o exército investiram, sem dó nem limites, contra a oposição durante aquele período. É a primeira vez que um alto responsável assume os excessos dos anos mais negros do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que então governava. Mas não o fez de livre vontade. Num encontro com os jornalistas na Cidade do México, o responsável pelas investigações, Ignacio Carrillo, reconheceu que houve uma "política de Estado" contra os adversários do regime, que incluiu assassínios e prisões clandestinas, assumindo o essencial do esboço do relatório que o seu gabinete trabalhava e que apareceu publicado nos Estados Unidos.
O procurador, que estava acompanhado pelo chefe do Ministério Público, Daniel Cabeza de Vaca, disse que o seu gabinete está a elaborar um estudo sobre a "verdade histórica" do que se passou nos anos dos presidentes Díaz Ordaz, Echeverría e Portillo, para o apresentar ao actual chefe de Estado, Vicente Fox, que o encomendou e prometeu divulgar.
No dia 27, a organização norte-americana National Security Archive (NSA) divulgou material daquele documento, supostamente confidencial, afirmando que os mexicanos tinham o direito a conhecer o seu conteúdo. O escândalo foi imediato.
Os autores do documento, intitulado Que não volte a acontecer, escrevem que "a atitude autoritária com que o Estado mexicano desejava controlar a oposição criou uma espiral de violência que (...) levou a que se cometessem crimes contra a Humanidade, incluindo o genocídio", e avançam pormenores que surpreenderam a própria NSA.
A documentação inclui os nomes dos algozes, polícias e militares, e dos seus excessos. Relata, por exemplo, que unidades especiais detiveram e executaram sumariamente homens, muitos deles jovens, dos povoados considerados próximos do líder rebelde Lucio Cabañas, e que detidos foram obrigados a beber gasolina e electrocutados, ou lançados em "voos da morte" sobre o oceano Pacífico.

Dados "assombrosos"Estes dados "são tanto mais assombrosos quanto o México negou sempre ser um dos países que cometiam este género de crimes e, por outro lado, por ter criticado sempre nos fóruns internacionais actividades similiares atribuídas às ditaduras militares na Guatemala, Chile e Argentina", referiu a NSA.
O Presidente mexicano, Vicente Fox, abriu em 2002 uma procuradoria especial para os Movimentos Sociais e Políticos do Passado (FEMOSPP) para investigar as violações aos direitos humanos durante os mandatos de Gustavo Díaz Ordaz (1964-70), Luis Echeverría (1970-1976) e José López Portillo (1976-1982). Os investigadores apresentaram o seu trabalho a Ignacio Carrillo no dia 15 de Dezembro. Que inexplicavelmente não o remeteu ao chefe de Estado.
Empurrado pelas circunstâncias a divulgar o passado antes da data que previra, o procurador prometeu que entregará o estudo ao Presidente até ao dia 15 de Abril próximo.
Fox não parece, no entanto, muito ansioso por recebê-lo. Ontem, numa entrevista à BBC, disse não ter tido conhecimento do documento divulgado pela NSA, pois "não é oficial". De qualquer forma, acrescentou, o Supremo Tribunal determinou que os prazos, de 25 anos, para julgar os crimes em causa já prescreveram.

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