O senhor mil jogos

Alexandre, defesa-central, fez domingo passado o milésimo encontro pelo Varzim. Chegou a assinar um pré-acordo com o FC Porto, esteve para ir para Espanha, mas foi ficando - e permanecerá no seu clube de sempre até abandonar. Por Ângelo Teixeira Marques

O defesa-central Alexandre completou no passado domingo o milésimo jogo pelo Varzim. Foi num encontro da 22.ª jornada da Liga de Honra frente ao Leixões, que os poveiros ganharam por 2-1. O capitão do Varzim atingiu uma fasquia que deve ser rara na modalidade, mas que vai ser ultrapassada pelo próprio atleta, que ainda não pensa "pendurar as chuteiras". Alexandre tem "apenas" 32 anos de idade, mas já está há tanto tempo no clube, e passou por todos os escalões, que há quem goste de brincar com a situação e provocar o jogador, que tem um temperamento fácil, apreciado por quase todos. Foi a partir de "bocas" mandadas nos treinos que Alexandre ficou curioso em saber há quanto tempo já enverga a camisola alvinegra. Espicaçado pelo tio, Vila Cova (ex-jogador do clube), Alexandre mergulhou nos arquivos do clube (e nos seus próprios) e, há algum tempo, concluiu que poderia atingir o número mil, se recuperasse a titularidade, entretanto perdida para Bruno Miguel, um jovem central contratado este ano ao Tourizense. A oportunidade surgiu e, no passado domingo, em pleno relvado do estádio do seu clube, Alexandre foi agraciado pelo presidente da câmara municipal, pelo clube, ovacionado pelos sócios (muitos adeptos dos Leixões associaram-se à festa) e pelos colegas que, no final do jogo, levaram-no para o centro do relvado, numa sentida homenagem colectiva.
O jogador confessou ao PÚBLICO ter "sentido uma alegria enorme" com o ambiente em redor do jogo - muitos adeptos na bancada - e pelo facto de, no campo, terem estado dois treinadores que marcaram a sua carreira: Horácio Gonçalves, o actual técnico do Varzim, com quem subiu de divisão e que o lançou na I Liga e, do lado do Leixões, Rogério Gonçalves, "um amigo" dos tempos em que o treinador esteve na Póvoa. Foi um dia em cheio para um atleta que, por duas vezes, já ganhou o troféu Lobos-do-Mar - maior distinção do clube - e que os sócios se habituaram a ver como um exemplo do espírito "raçudo" da comunidade local, ainda muito marcada pelas agruras da pesca.
E é precisamente dessa colmeia piscatória, as Caxinas, Vila do Conde (para onde foram morar muitos poveiros, após, na sua cidade natal, terem sido arrasadas casas de pescadores para edificar prédios de veraneio...), de onde já emergiram tantos futebolistas com as mesmas características - "de antes quebrar que torcer" - que Alexandre deu os primeiros pontapés numa bola. Era mais alto que os restantes companheiros e destacava-se por marcar golos. Após um torneio de futebol de salão, foi convidado para se treinar nas camadas jovens do Varzim, onde entrou aos nove anos de idade, juntamente com outros colegas das "peladinhas". Deslocava-se das Caxinas para a Póvoa de bicicleta com um magote de outros miúdos que sonhavam chegar aos seniores do Varzim, que nas décadas de 70 e 80 faziam boa figura no campeonato nacional. Nas camadas de formação disputou 466 jogos, apontou 61 golos e foi capitão de equipa em 213 partidas.

De extremo-direito para defesaA carreira de Alexandre começou na frente, pela extrema-direita, mas, como sucede em tantas carreiras, a ausência de um colega, obrigou-o a recuar para central. A partir dessa altura, o clube ganhou um defesa com boa compleição física (hoje tem 1,90 metros de altura e 82 quilos de peso), mas que sabia cabecear, passar e até fintar. Não era - e não é - o típico defesa duro e que despacha a bola de qualquer forma. Isto apesar de ter ficado ligado a um slogan futebolístico que ainda hoje perdura. Estava-se na época de 2002-2003 e à 11.ª jornada, o Varzim recebeu o Benfica. Alexandre foi incumbido de marcar a (então) vedeta em ascensão do clube lisboeta, Mantorras. O defesa cumpriu a sua missão, por vezes usando de uma grande virilidade. Viu até um amarelo. No final, Luís Filipe Vieira não se conteve e apelou para que os defesas deixassem o internacional angolano praticar o seu futebol mágico. "Deixem jogar o Mantorras", ainda se ouve dizer por aí. Naquele dia, Alexandre não deixou. E o Varzim venceu por 2-1.
Nessa altura, porém, o n.º 3 do Varzim já possuía bastante experiência. Não foi emprestado quando deixou de ser júnior e entrou quase directamente para a formação sénior. Foi Washington - uma velha vedeta do Varzim, também defesa-central (pai de Bruno Alves, do FC Porto) - que apostou naquele jovem promissor, o que leva Alexandre a recordá-lo de forma especial, assim como a José Alberto Torres (que com Washington fazia a dupla de centrais dos anos 70 e 80), que o tornou capitão de equipa.
Por duas vezes (aos 18 e aos 21 anos) chegou a assinar um pré-contrato com o FC Porto, mas as direcções dos dois clubes não se entenderam e Alexandre permaneceu no seu clube de sempre. Há duas épocas, um grupo de investidores espanhóis quis colocá-lo na Liga espanhola, mas, mais uma vez, a hipotética mudança não passou disso mesmo. Como futebolista sénior, realizou 534 jogos, foi 308 vezes capitão e marcou 10 golos. Agora, Alexandre reconhece que será tarde para mudar. Ficará no Varzim até ao fim e encara prosseguir na Póvoa, após o abandono da competição, já que está a tirar o curso de Gestão do Desporto (vai no 3.º ano) no Instituto Superior da Maia.

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