Nam June Paik (1932-2006) A transcendência do vídeo

Pioneiro da arte vídeo, elemento
do movimento Fluxus, Nam June Paik faleceu anteontem em sua casa, em Miami, nos Estados Unidos

Um dos nomes seminais da arte contemporânea, o coreano Nam June Paik faleceu anteontem, domingo, na sua casa de Miami, nos Estados Unidos, país onde vivia desde 1964. O seu percurso está intimamente ligado ao movimento Fluxus, à arte vídeo, da qual é um dos pioneiros, e a uma série de colaborações com nomes que vão de Joseph Beuys a John Cage, de Karlheinz Stockhausen a Charlotte Moorman. Na intersecção entre a filosofia oriental - o budismo - e as novas tecnologias, a obra deste criador propõe uma poderosa reflexão acerca das possibilidades de apropriação crítica, para fins artísticos, de meios de comunicação de massas, como a televisão ou a Internet. Uma actividade acompanhada, sempre, de um desarmante humor: "Muitos artistas pintam grandes telas, mas muito poucas são postas em circulação porque não trazem dinheiro nem aos artistas nem aos galeristas. Elas apenas beneficiam as companhias de seguros e as transportadoras... O artista que quiser fazer pinturas de grandes dimensões no ano 2000 deverá dar-lhes uma forma transportável... O artista deve pensar no futuro...", afirmou, um dia.
Nam June Paik nasceu a 10 de Junho de 1932 em Seul, na Coreia, território então sob domínio japonês. No início da década de cinquenta, a sua família deixa o país devido à Guerra da Coreia - disputa que opôs o Norte e o Sul do território -, instalando-se primeiro em Hong Kong e, depois, no Japão. É aí, na Universidade de Tóquio, que, em 1956, se forma em História da Arte e História da Música, com uma tese sobre o compositor austríaco Arnold Schönberg. Nos anos seguintes, o artista irá frequentar a Universidade de Munique, na Alemanha, travando conhecimento quer com Karlheinz Stockhausen, quer com John Cage, um nome do qual estará sempre próximo, chegando mesmo a realizar, em 1973, um vídeo no qual presta homenagem ao criador da peça 4" 33"" (de completo silêncio) - Hommage à John Cage é o título de uma outra obra do criador, neste caso uma peça para gravador de cassetes e piano, datada de 1959.

Esbater as fronteiras das artesÉ na Alemanha que Paik irá integrar as iniciativas de Fluxus, cuja origem se deve ao nome de uma publicação que esteve para ser editada em 1960, revista essa dirigida por dois lituanos, então emigrantes em Nova Iorque: Jurgis (mais tarde George) Maciunas e Almus Salcius. As actividades deste movimento resultaram sobretudo na realização de uma série de eventos (os Flux Events) durante os quais se procedia ao esbatimento das fronteiras entre disciplinas artísticas (música, artes plásticas, literatura).
O primeiro grupo oficial de Fluxus, de espírito neodadá, é fundado em 1962, tendo o movimento organizado inúmeros festivais durante as décadas de 60 e de 70 do século passado - sendo este considerado o período mais activo deste colectivo de artistas, pelo qual também passaram Dick Higgins, Wolf Vostell, Emmett Williams, Robert Filliou, Alison Knowles, Yoko Ono, Dieter Roth, Ben Vautier e La Monte Young, entre muitos outros.
Nas iniciativas de Fluxus, Paik apresentou obras na qual incluiu pianos e instrumentos preparados e monitores de televisão alterados. Já em Nova Iorque, em 1964, o artista entra se não na História pelo menos na lenda: segundo algumas versões, Paik terá adquirido uma das primeiras Sony Portapaks que chegaram ao mercado, tendo realizado, nesse mesmo dia, a partir da janela de um táxi, um filme no qual registou a visita de Paulo VI à cidade - a cassete foi depois exibida no Cafe au Go Go. Há, contudo, uma certeza: o artista foi o primeiro a usar o vídeo enquanto meio artístico.
Nova Iorque será também o lugar no qual iniciará uma longa colaboração com a violoncelista Charlotte Moorman, tendo com ela criado as peças históricas Opera Sextronique (1967), TV Bra for Living Sculpture (1969) e TV Cello (1971). Contudo, a obra mais célebre de Paik é porventura TV-Buda (1974), produzida no âmbito da sua quarta exposição individual na galeria nova-iorquina Bonino. Nela, uma estátua do santo, que havia sido adquirida por si enquanto investimento, foi colocada diante de um monitor, atrás do qual se encontrava uma câmara de filmar; esta, por sua vez, registava a imagem da escultura, e devolvia-a, em permanência, através do ecrã da televisão. Nesse mesmo ano, no âmbito da mostra Projekt 1974, em Colónia, o artista tomou o lugar de Buda, sugerindo assim que "a antítese implícita entre transcendentalismo e tecnologia estava igualmente presente na sua própria personalidade", como se pode ler no site alemão Media Art Net.
Tendo exposto nos principais museus do mundo, destacando-se recentemente a exposição The Worlds of Nam June Paik (Guggenheim Museum, Nova Iorque, 2000) e a instalação Global Groove 2004 (Deutsche Guggenheim, Berlim), o artista também passou por Portugal, onde, em 1996, apresentou, na Culturgest Lisboa, The Electronic Super Highway: Travels With Nam June Paik, que ficará como uma das principais mostras realizadas, nessa década, no nosso país.

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