Ignasi Aballí abre o ano em Serralves

Mostra do artista catalão inclui obras produzidas especificamente para os espaços do museu - para as suas janelas, mais precisamente

Ignasi Aballí é o primeiro a dizer que há aspectos da sua obra que "colocam a questão da invisibilidade porque não há nada para ver" e aspectos da sua obra "que colocam a questão da invisibilidade porque há demasiadas coisas para ver". É mais ou menos entre esses dois extremos - a escassez e o excesso de informação - que se situa a grande maioria dos trabalhos que o Museu de Arte Contemporânea de Serralves (MACS) mostra a partir de hoje. Depois de ter passado pelo Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (entidade co-produtora da exposição, juntamente com Serralves e a IKON Gallery, de Birmingham, entidades a que o Zentrum für Kunst und Medientechnologie, de Karlsruhe, se associou recentemente), 0-24h fica agora no Porto até 26 de Março. Comissariada por Bartolomeu Marí, 0-24h é uma antologia do trabalho que o artista catalão (Barcelona, 1958) tem vindo a desenvolver sobretudo a partir de finais da década de 80, mas inclui também algumas obras produzidas especificamente para espaços do Museu de Serralves - para as suas janelas, mais precisamente. "Esta exposição é diferente da que esteve em Barcelona porque a obra de Aballí se apropria do espaço através de instalações muito subtis, mostrando muitas vezes menos para podermos ver mais", notou ontem João Fernandes, director do MACS, numa visita guiada que contou com a presença do artista.
É, de resto, nesse campo de forças entre a transparência e a opacidade, entre a legibilidade e a ilegibilidade, que se joga grande parte da obra de Aballí - uma obra em que ao acto físico de pintar nem sempre corresponde "o aparecimento de uma nova imagem", como sublinha o próprio em entrevista incluída no catálogo da exposição. "Comecei a pensar que quanto menos há para ver numa obra, maior é o desejo de ver. Que esconder parte do mundo é inerente ao acto de mostrar o mundo", acrescenta ainda, assumindo o seu interesse pelos procedimentos de "desmaterialização" desencadeados pela arte conceptual - uma operação que está na origem dos seus "quadros transparentes" e das experiências com corrector Tipp-ex (Correcció e Error)
Além de convocar materiais da própria pintura para produzir objectos que estão muito para lá da pintura - o verniz de Finestra, os catálogos de cores de Cartas de colors, as tintas de Malgastar, que secaram enquanto o artista catalão "pensava no que havia de fazer com elas" -, Ignasi Aballí também reutiliza no seu trabalho materiais do quotidiano (não é por acaso que o escritor Georges Pérec é uma referência fundamental da sua obra), do pó que se acumula no seu atelier aos jornais de que muito dificilmente consegue desfazer-se. As séries Llistats (colecções de recortes do El País em que o artista catalão isolou os números para os desvincular do seu significado) e Calendari 2003 (obra que reúne as 365 imagens que foram capa do El País no ano em causa) são, de resto, um sintoma do seu interesse muito peculiar pela semiótica da informação jornalística e da comunicação de massas: "Fiz a mesma coisa em 2004 e em 2005 e noto que as imagens publicadas durante estes três anos são muito repetitivas. É muito interessante analisar por que razão um acontecimento actual que nos parece muito importante tem um acontecimento que lhe corresponde no ano passado e terá outro no próximo ano".

0-24H, de Ignasi Aballí
PORTO Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Até 26 de Março.
3.ª a dom., das 10h00 às 19h00.

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